Houve ontem mais uma greve geral. De geral, só teve o nome. Não se deu conta dela. Como de costume, fazem greve os trabalhadores dos transportes - nem todos - e alguns funcionários públicos revoltados com o roubo de parte do salário. Aproveitam a desculpa da falta de transportes outros funcionários públicos que, embora revoltados, não querem ficar sem o dia de salário, e pouco mais.
A maioria dos trabalhadores foi trabalhar, não que não lhes apetecesse esborrachar a cara ao governo, mas, na verdade, muito poucos já acreditam na greve como forma de mudar alguma coisa.
E com tantos desempregado, qualquer dia não há trabalhadores para fazer greve.
Também houve manifestações. Uma foi a mais mediatizada. A polícia descontrolou-se e sovou dois jornalistas no Chiado. O poeta nem se mexeu.
O governo, desta vez, não anunciou números, como tinha prometido, e a CGTP também não. Que importa?
Na televisão, os comentadores do costume falaram dos costumes. Da greve enquanto direito fundamental dos trabalhadores. Do respeito pelo direito. Da necessidade de continuar a manter a indignação e a revolta contidas na figura da greve como a conhecemos há quase quarenta anos. No fundo, de deixar o instituto da greve definhar até ninguém saber para que serve.
Não são só os governos a não perceber que o mundo que eles conhecem já não existe. Que a ilusão da estrutura financeira que criaram, e na qual se autoalimentaram durante décadas, desapareceu. Mas não são os únicos. Os sindicatos fazem também parte desse mundo que ruiu. Eram a outra face da moeda. Uns não podem viver sem os outros. Por isso, a decadência do sistema capitalista mundial vai arrastar consigo o sindicalismo que o combateu, mas que viveu sempre na sua dependência.
É patético vê-los, a uns e a outros, nos media, a tremerem de medo e a esconjurar o grande mal que aí viria se a contestação ao seu decrépito sistema for tomada por “movimentos inorgânicos”, sem estrutura fixa ou comando único. A impossibilidade de controlo, ou de enquadramento, pelo sistema instituído, assusta-os. E ainda bem!
Quando se depende, não apenas materialmente, mas psicológica e mentalmente, de um sistema hegemónico que não contempla alternativas, porque foram sendo eliminadas, não se tem a capacidade para encarar corajosamente o futuro.
É assim que eles estão, tentam replicar ao máximo a fórmula de um sistema que deixou de ter qualquer viabilidade ou de fazer qualquer sentido, numa espécie de delírio alucinogénico, fechados num labirinto, e, como o Minotauro, devorando a vida dos jovens que lhes são oferecidos, regularmente.
Mas, desta vez, nem Teseu terá qualquer papel nesta história, nem será preciso o novelo de linha de Ariadne. Os próprios jovens se encarregarão de derrotar o Minotauro e encontrar o caminho de volta à liberdade.