sexta-feira, 25 de maio de 2012

A troika, as pipocas e o Imperador de Jade

A troika está cá novamente para avaliar a aplicação das medidas do memorando da miséria.
Os governantes portugueses têm feito tudo para agradar aos amos aplicando as medidas a eito, sem medir as consequências, e com o beneplácito da flácida posição do PS.
Agora admiram-se todos de o desemprego ter chegado ao nível a que chegou e de não haver qualquer sinal de retoma da economia, quando qualquer aprendiz de economista poderia prever o que eles, intencionalmente, não previram.
O parlamento português foi o primeiro a aprovar o princípio do limite do défice orçamental e, agora que mudaram os ventos em França e a Alemanha está mais macia, é o primeiro a aprovar a proposta para uma adenda ao Tratado que contemple o crescimento. Mas eurobonds é que não, pelo menos não antes da chanceler ordenar. Em termos de oportunismo parolo ninguém nos bate. Nem nesta mania que os governantes têm de engraxar quem lhes parece que possa financiar mais umas loucuras.
Entretanto, a economia está de rastos, as empresas fecham, o desemprego aumenta, corre-se o risco de não conter o défice, os juros da dívida sobem, a receita pública diminui, a despesa pública aumenta.
Os baixos salários e o desemprego são, obviamente, os causadores de muitos destes males. Com salários de miséria, não há consumo, arrecada-se pouco IRS e pouco IVA, as empresas fecham. Com o desemprego aumentam os encargos com apoios sociais, não se consome, não se arrecadam impostos. E a coisa vai ser piorar no segundo semestre quando os cortes dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos se repercutirem na economia.
E, no entanto, a dívida soberana continua a aumentar. E continuará a aumentar enquanto não se cortar radicalmente com este sistema de submissão ao capital especulativo e à Europa do euro, ou do marco, ou lá o que é.
E o que é que a troika diz?
Diz que Portugal continua a ter um sistema salarial rígido e que os salários deveriam baixar. Ah, e quanto ao desemprego, vão pensar numa solução.
Eles cortaram-nos a chuva, como o Imperador de Jade. Mas nesse mundo celestial o Dragão era o responsável pela chuva e fez chover, desobedecendo a Jade, quando ouviu os gritos do povo que morria à fome. Então foi obrigado a descer ao mundo dos humanos e aprisionado por mil anos ou até que os feijões de ouro florissem. No ano seguinte, o povo fritou milho e, quando saltaram as pipocas, o Imperador de Jade foi enganado. Os feijões de ouro floriram. O Dragão voltou ao mundo celestial. E houve chuva com fartura.
Ai, se tivéssemos milho para fazer pipocas…

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sem pingo de vergonha

No Dia do Trabalhador, um dos poucos feriados com significado real para a maioria das pessoas, algumas cadeias de supermercados decidiram não encerrar. Afinal o dia comemora-se a trabalhador. Ou bem que os trabalhadores trabalham ou não. E nada melhor que trabalhar no dia que lhes é dedicado.
Bem, houve uns sindicatos que não acharam bem e convocaram uma greve para que aqueles trabalhadores não trabalhassem. Não sei se se realizou, pois ninguém deu conta dela.
Os outros trabalhadores, os que não foram para as manifestações, acharam muito bem que os supermercados estivessem abertos e estiveram a borrifar-se para os que não puderam celebrar o seu dia por estarem a trabalhar.
E, para felicidade geral, um desses supermercados, num acesso de prodigalidade, resolveu vender tudo ao preço da chuva, ou seja, carrinhos de 200 euros a 100. E foi o ver se te avias, literalmente. 
Filas intermináveis, prateleiras vazias, empurrões, demoras infinitas, zaragatas, puxões de cabelo, berraria, tabefes, polícia, ambulâncias. Houve quem entrasse pelo seu pé e saísse deitado, de maca.
Nada disto acontece por acontecer. É consequência da falência do sistema que tem governado o mundo. Este episódio, que é mais do que a caricatura revela, encerra um atentado à dignidade humana, e à dos trabalhadores em particular, e demonstra a insensibilidade e o desrespeito que o capitalismo tem em relação a tudo e a todos. Confirma-se que o seu objetivo é apenas o lucro. Nem que a sua procura incessante o leve à autodestruição.
O Pingo Doce fez dumping, não estando satisfeito abusando da enorme quota de mercado que tem na distribuição, visa destruir a concorrência. E fê-lo com despudor, arrogantemente confiante da ausência de consequências legais. Não respeitou sequer as próprias normas do capitalismo. Foi mais além.
Aproveitou-se da fragilidade da inesgotável horda de escravos que recruta, para lhes impor um dia de trabalho num feriado simbólico. Desrespeitou gerações de trabalhadores que lutaram, e alguns deram a própria vida, que contribuíram para que a nossa sociedade fosse mais humana e mais justa.
Aproveitou-se da miserável situação de milhares de portugueses que, em vez de lhes arremessar de dejetos em resposta à abjeta provocação, se perfilaram ordeiramente antes das 9 da manhã à sua porta, incompreensivelmente preparados para mais uma humilhação.
Se tivéssemos um pingo de vergonha não compraríamos nada a estes senhores. Eles que procederam à deslocalização fiscal para a Holanda. E não me venham falar nos postos de trabalho que criaram em Portugal. Hitler também criou milhões. Nos campos de concentração.
Este episódio foi experimental. O sistema recolhe e trata os dados. Afinal este povo está preparado sofrer ainda mais. Para se humilhar ainda mais. Possivelmente o capitalismo tem razão. Qualquer ser humano, colocado em determinadas situações, pode andar à chapada por um pacote de batatas fritas.