segunda-feira, 6 de agosto de 2012

As férias do vendedor de jornais

Ora cá estão as férias. Os telejornais atropelam-se em reportagens imbecis acerca das férias dos portugueses: quem vai de férias, quem não vai, quanto vão gastar, par onde vão, o que vão comer, se levam a marmita, se compram a coca-cola no bar da praia, se comem uma bola de Berlim, ou duas, se o fato de banho que usam é do ano passado ou se é novo, porque é que a sogra este ano ficou em casa. E depois há o eterno filão do Algarve: se os hotéis estão cheios, se estão vazios, se os veraneantes ficam em casas particulares ou no parque de campismo, se vão aos restaurantes ou se saem à noite. Em nome da sanidade mental e informativa dos portugueses, os entrevistados deviam mandar as televisões para o raio que as parta. Mas não, respondem, expõem as suas misérias, riem-se para não chorar, dizem umas larachas, dão-se ares de habituação à preocupante e real descida do seu poder de compra e acusam a crise.
Foi esta vacuidade intelectual, esta inanição racional, esta apatia bovina que nos trouxe ao ponto em que estamos. No meio de uma crise monumental, para a qual nada contribuímos, aceitamos as medidas que nos são impostas, acriticamente, sofremos com a fatalidade e esperamos que nos tirem do buraco em que nos meteram.
E é precisamente esse o problema: os que provocaram a crise não nos podem tirar dela, ou porque não querem ou porque a ganância os fará procurar o lucro até ao fim, nem que sejam também engolidos pelo mostro que criaram e alimentam.
A essência deste capitalismo financeiro é amoral. Nunca esperem nada dele, pois ele nada nos dará. Nem que lhe ofereçamos a própria vida. E muitos europeus já o estão a fazer. Ele pedirá sempre mais. Mais sacrifícios e mais vidas. É disso que ele hoje vive. Ele não existe para dar, apenas para tirar.
No entanto continuam, as televisões e os media em geral, a apresentar a crise como um fenómeno mais ou menos natural, causado pelo consumo excessivo dos pobres, seja dos países seja das pessoas, que terão “obrigado” os bancos a emprestar-lhes dinheiro para os seus luxuriosos excessos. Mas tenham paciência, o capitalismo a todos vai salvar, apenas nos pede sacrifício e probidade. Temos de pagar o que devemos.   Afinal, somos ou não somos honestos? Nem que para isso destruamos as nossas vidas e os nossos países.
E se ele tiverem razão? Se calhar andámos mesmo a gastar demais.
Bem me pareceu que isto da bolha imobiliária tinha mesmo de rebentar e que as agências de rating nos iam baixar a nota quando soube que o vendedor de jornais que tem a banca aqui ao fundo da rua tinha ido de férias à República Dominicana.
Depois não digam que não abusaram.