Finalmente, a primeira carga policial da era das manifestações contra a austeridade e a troika.
O grupinho dos arruaceiros quase-profissionais que tanto tem trabalhado para conseguir este objetivo está de parabéns. Praticamente um ano de ensaios e tentativas infrutíferas e, agora, o prémio: um arraial de chanfalhadas nas cabeças ocas e nas costas folgadas. Já mereciam, não tenhamos dúvidas. E o efeito mediático incha-lhes os frágeis egos e traz-lhes o justo, embora atrasado, reconhecimento público.
Pecaram, porém, pelo excesso de queixinhas e choraminguices, os menos ágeis, aqueles cujas cabeças tiveram de ser suturadas ou foram submetidos às formalidades legais pós-arruaça.
Mas estes tipos serão tão estúpidos que não consigam aperceber que os polícias não são os responsáveis pela dívida, nem pelo acordo com a troika, nem pela política do governo, nem pelo estado a que o país chegou?
Ter-lhes-á passado pela cabeça que aqueles polícias que eles apedrejaram durante quase duas horas são uns desgraçados como eles, com contas para pagar e filhos para criar?
Bem sabemos que o sistema utiliza a polícia para se proteger e para perpetuar o seu poder, mas quando um sistema apodrece, esboroa-se e não há polícia que lhe valha. Já vimos isso acontecer no nosso país e devíamos aprender alguma coisa com a História.
Compreendo que para esta geração, que não viveu qualquer guerra, seja motivo de orgulho a cicatriz na cabeça ou o nariz partido e que as fotos sejam exibidas e partilhadas ad nauseum pelos amigos virtuais. Também os seus pais ou avós, depois de virem de África, ostentavam a marca deixada por um estilhaço de uma granada ou uma tatuagem num braço.
Tal como os seus pais e avós, que sofreram numa guerra alheia, os polícias foram apedrejados por uma causa que não é, certamente, a deles.
Os arruaceiros, esses, enganaram-se no alvo e correm o risco de virarem o povo contra si. Quando não sabemos direcionar a raiva, ela volta-se sempre contra nós. Os apedrejadores serão o alvo do seu boomerang. Mas só o saberão tarde de mais.
Entretanto, não longe dali, o governo ria-se baixinho e “trabalhava”. O presidente, não longe do governo, com a de cara de pau habitual, “trabalhava”. O dia estava ganho: a greve geral passou para segundo plano nos telejornais; a grande manifestação pacífica também.