quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Partem jovens em aviões cheios


O país está como está e a emigração parece ser a solução para milhares de desempregados desesperados. Tomados por um ímpeto de sobrevivência, a rangerem os dentes de medo e de revolta, partem à aventura.
Os céus estão cheios de aviões e os aviões estão cheios deles. São de todas as idades, mas dizem os media que a maior parte são jovens. Os tais jovens licenciados que fizeram Portugal sair do fim das listas dos países menos instruídos do mundo ocidental. Agora partem.
A sociedade portuguesa fez um esforço enorme para os qualificar, gastou mais do que a cautela aconselharia e agora manda-os partir. E eles partem.
As televisões vão a casa dos que emigram, ajudam-nos a fazer as malas, metem-nos num táxi para o aeroporto e acotovelam-se para gravar as despedidas e as lágrimas. Os sites dos jornais económicos dão dicas sobre os melhores destinos, as burocracias, as vacinas e o envio das remessas (como soa a bafio esta palavra!).
Os que ficam, aliviados pela diminuição da concorrência, aconchegam-se na sua cobardia e esperam que a sorte lhes sorria. Mas o sorriso da sorte é murcho. Tão triste como o sorriso da morte.
Portugal foi sempre feito pelos que estão fora. Cresceu de fora para dentro. Os corajosos saem, os fracos ficam. Este é um país de pobrezinhos agarrados aos destroços da sua incompetência. Estupidamente obstinados em proteger o que julgam ter conseguido. Sem qualquer rasgo de génio ou de visão do futuro.
Os que saem, sofrem, mas libertam-se dos grilhões da tacanhez nacional, da mesquinhez pequena e vil que putrifica as vontades e dissolve as ténues tentativas de sobrepor a inteligência à estupidez.
Os que mudaram Portugal, fizeram-no a partir das Américas, das Áfricas ou das Índias com as mentes dilatadas por tanto mar e tantas gentes, com as riquezas acumuladas, conseguidas a bem ou a mal, com o desprendimento apaixonado que só o os que estão longe conseguem ter.
Se os jovens não partissem, e sendo esta a geração mais qualificada de sempre, teriam a oportunidade histórica de mudar Portugal por dentro. Mas parece que não sabem que têm essa força. Têm ferramentas intelectuais e de comunicação que nunca outros antes deles tiveram. Usam-nas, é verdade, mas de forma inconsequente. Falta-lhes o cimento que poderia torná-los indestrutíveis: a ideologia.
A sociedade perde muito com a sua saída. Aos governos até convém. É mais fácil dominar estúpidos que inteligentes. E ao capitalismo troglodita também: é mais fácil explorar ignorantes dóceis que pensantes orgulhosos.
Mas, ao contrário das gerações que ao longo dos séculos partiram, esta não fará o país crescer.
O país morrerá todos os dias um pouco mais. Triste por os seus mais promissores filhos o terem abandonado. Com saudades dos dias em que projetou neles grandes esperanças.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Astérix e os curandeiros da Lusitânia


O FMI. Sempre o FMI. Ele são relatórios. São estudos. São pareceres. São opiniões. Ora é a chefe. Ora é o superintendente para a Lusitânia. Ora são os capatazes. Ou até os sipaios. Todos têm alguma coisa a dizer, a recomendar, a propor, a ordenar, a sugerir, a mandar. Andam numa azáfama permanente à volta do moribundo, a ministrar mezinhas e a vê-lo definhar.
São curandeiros ardilosos que vivem da ignorância dos simples. Convencem os crédulos de que as ervas e os unguentos estão a resultar, enquanto esvaziam a casa de porcelanas, ouro e prata. Calmamente, peça a peça. O doente mirra, quase morre, e eles leem o futuro em entranhas de cabritos sacrificados para as cerimónias.
Veja-se o caso da anunciada reforma do Estado? O governo, mais uma vez cobardemente, pediu ao FMI que o substituísse nos propósitos desonestos de destruição do Estado. Vieram uns tipos a Lisboa, falaram com ministros e secretários de estado, voltaram à terra deles e, dois meses depois, entregaram o relatório. Simples: é preciso cortar mais 4 000 milhões!
O governo esfregou as mãos. Alguém fez o trabalho sujo por ele. Envaideceu-se. Os que lhe dão ordens, desta vez fizeram-lhe um favor. E, sendo o FMI a dizer que é preciso cortar, não seria o governo o responsável por tão absurda medida.
Depois, era só inventar uma comissão parlamentar para dar cobertura ao crime e já está.
Mas, como sempre, fizeram asneira. O relatório tem erros graves. Ninguém com um mínimo de conhecimentos ou um pingo de vergonha deu qualquer crédito a esta miserável encenação. Um dos autores foi mesmo apanhado num enredo de identidades falsas e outras trafulhices.
Reformar o Estado não deveria ser destruir o Estado. Mas, para o FMI e para o governo, é. E pelo caminho destroem os reformados, desempregam os empregados, matam os famintos e enterram os enfermos. Tudo em nome do défice, da troika e dos mercados.
E, então, voltámos aos mercados! Viva!
Se estavam à espera de manifestações populares de regozijo, enganaram-se. Ninguém percebeu o deslumbrante significado de tamanha conquista do governo e da sua famélica política de austeridade.
O capitalismo financeiro e os seus tentáculos bancários passaram, com êxito, à segunda fase do plano de saque e exultaram. Os governantes também. Está tudo a correr de acordo com os manuais. O povo ainda aguenta mais uns apertos. Afinal a obesidade não é, já, um problema nacional?
Obélix também é obeso. Em Le Devin também ele acreditou no charlatão. Ele e, praticamente, todos os habitantes da irredutível aldeia gaulesa. Como sempre, Astérix não se deixou enganar e o trapaceiro acabou por cair em desgraça. Nem no meio dos romanos se safou.
Fazes-nos falta, Astérix!