Nunca gostei muito de comemorações.
As comemorações perdem o sentido quando são aprisionadas pelas instituições. E quando se comemora um evento como o golpe de estado de 1974, que de imediato se transformou numa revolução popular, a festa deveria ser feita pelo povo.
Mas 38 anos é muito tempo e não há revolução que resista. A nossa depressa foi metida nos eixos e formatada pelo modelo da democracia capitalista.
Enquanto o povo andou entretido a usufruir de alguns direitos que, antes da revolução, nem desconfiavam que pudessem existir, as comemorações esmoreceram, fecharam-se nos vetustos monumentos e nos veneráveis ex-conventos e mirraram, mirraram, até quase não passarem de uma desconsolada rábula num triste e decadente espetáculo circense.
Este ano abusaram. A Assembleia da República, no âmbito das comemorações do 25 de Abril, homenageia Zeca Afonso.
É preciso descaramento.
Zeca Afonso não merecia uma coisa destas. A sua memória devia ser preservada. Todos conhecemos o seu inconformismo, a sua luta pelos mais fracos, a sua dádiva desinteressada, o seu anticapitalismo, a sua repugnância pela exploração dos oprimidos. A sua canção era, efetivamente, uma arma.
Hoje, quem está no poder, tudo aquilo que defende quem está no poder, o que quem está no poder representa, é tudo aquilo contra o que ele cantou e lutou. É a escumalha capitalista que se autoapelida de democrata; são os esporeados sipaios dos mercados financeiros; as devassas prostitutas dos banqueiros; os lacaios dos ladrões internacionais; os aprendizes de trapaceiro; os poderosos e infelizes larápios de sonhos e de vidas.
O que estão a fazer, neste 25 de Abril, é servir fria uma vingança que há anos fantasiam.
Finalmente conseguiram. O 25 de Abril está morto. Já dançam na sua campa e jogam ao mata com a cabeça do Zeca.
Post-scriptum: Ainda bem que a Associação 25 de Abril não vai participar nas comemorações oficiais na Assembleia da República. Nem Mário Soares. Nem Manuel Alegre.