terça-feira, 24 de abril de 2012

25 de Abril e a cabeça do Zeca

Nunca gostei muito de comemorações.
 As comemorações perdem o sentido quando são aprisionadas pelas instituições. E quando se comemora um evento como o golpe de estado de 1974, que de imediato se transformou numa revolução popular, a festa deveria ser feita pelo povo.
Mas 38 anos é muito tempo e não há revolução que resista. A nossa depressa foi metida nos eixos e formatada pelo modelo da democracia capitalista.
Enquanto o povo andou entretido a usufruir de alguns direitos que, antes da revolução, nem desconfiavam que pudessem existir, as comemorações esmoreceram, fecharam-se nos vetustos monumentos e nos veneráveis ex-conventos e mirraram, mirraram, até quase não passarem de uma desconsolada rábula num triste e decadente espetáculo circense.
Este ano abusaram. A Assembleia da República, no âmbito das comemorações do 25 de Abril, homenageia Zeca Afonso.
É preciso descaramento.
 Zeca Afonso não merecia uma coisa destas. A sua memória devia ser preservada. Todos conhecemos o seu inconformismo, a sua luta pelos mais fracos, a sua dádiva desinteressada, o seu anticapitalismo, a sua repugnância pela exploração dos oprimidos. A sua canção era, efetivamente, uma arma.
Hoje, quem está no poder, tudo aquilo que defende quem está no poder, o que quem está no poder representa, é tudo aquilo contra o que ele cantou e lutou. É a escumalha capitalista que se autoapelida de democrata; são os esporeados sipaios dos mercados financeiros; as devassas prostitutas dos banqueiros; os lacaios dos ladrões internacionais; os aprendizes de trapaceiro; os poderosos e infelizes larápios de sonhos e de vidas.
O que estão a fazer, neste 25 de Abril, é servir fria uma vingança que há anos fantasiam.
Finalmente conseguiram. O 25 de Abril está morto. Já dançam na sua campa e jogam ao mata com a cabeça do Zeca.
Post-scriptum: Ainda bem que a Associação 25 de Abril não vai participar nas comemorações oficiais na Assembleia da República. Nem Mário Soares. Nem Manuel Alegre.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Madame Lagarde e os bifes

O ministro Gaspar disse claramente, há umas semanas, que Portugal voltaria aos mercados em Setembro de 2013. Parece que para Portugal isso é bom. Os portugueses, porém, gostariam de poder voltar ao mercado – ao municipal, ao mini, ao super ou ao híper -, ainda esta semana ou o mais tardar até ao fim do mês, se o ordenado chegasse para alguma coisa.
O chefe dele, depois disso, já considerou que poderia não ser mesmo assim, mas que logo se veria. O futuro a Deus pertence. E vamos continuar a reduzir o défice, a diminuir a despesa a aumentar o desemprego, a destruir a segurança a social e o serviço nacional de saúde, a flexibilizar os despedimentos, a dar sopa aos pobres, a extorquir impostos, a aumentar a eletricidade, a água, o gás, os transportes e a gasolina. Tudo como a troika mandou. E depois, se os mercados acharem bem, vamos pedir-lhes mais dinheiro, que pagaremos com os juros que eles quiserem.
É isto, para eles, a felicidade.
Agora vem o FMI, logo o FMI, a estragar tanta felicidade. Afinal Portugal precisa de mais 16 mil milhões a somar aos 78 mil milhões acordados com as troika e não deve poder voltar aos mercados em Setembro de 2013. É triste! O triste Gaspar ainda vai ficar mais triste. E vai ter de dar o dito por não dito. Mais um mal-entendido. Como o do corte dos 13.º e 14.º meses.
Até a Madame Lagarde reconhece agora que a receita aplicada foi demasiado violenta e a economia assim não funciona. Isto é um sinal. Quando a chefe do FMI, instituição ao serviço do imoral capitalismo financeiro, também acha que assim o Gaspar e o chefe dele estão a matar a economia, estamos conversados.
Aguardemos, então, bovinamente, que os mercados venham até nós. Nos abatam, nos desmanchem, nos esquartejam … e nos consumam. Em bifes de 150 gramas.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Dr. House e a crise

Sempre desconfiei que o mundo estava a correr alegremente para o abismo.
A loucura inebriante dos mercados e a milagrosa multiplicação apátrida do capital tinham qualquer coisa de psicadélico que criava um estado coletivo de consciência alterada a nível global.
Porém, lá no fundo, pensava que, no submundo das universidades, génios da ciência financeira preparavam em silêncio a solução para quando o delírio se desvanecesse.
Afinal não havia. Os cientistas da finança andavam todos metidos na festança. Os cérebros cansados de tanta alucinação, definharam. E agora é tarde demais para inventar uma saída.
Chegados a esta situação, as caquéticas organizações que mandam no mundo dão-nos receitas para nos salvarmos. Obrigam-nos a aceitá-las à força. E nós, vigiados pelo sistema que nos governa (governo, oposição, partidos, sindicatos, lóbis, bancos, etc.) tomamos os remédios, pela goela abaixo e com o nariz tapado.
Mas os efeitos secundários são maiores que os efeitos principais que, de um dia para o outro deixam de ser principais e passam também a secundários. E encontram-se outras causas e outros efeitos. E tomam-se outros remédios, cada vez mais malcheirosos, cabeludos e a saber a fénico.
E o doente piora, piora, exaure, transpira mais que respira, esvai-se num estertor de morte.
Fazia-nos falto o Dr. House para nos dar uma dose de efedrina enquanto descobre a solução para tão grande e quase fatal enfermidade.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O euro, o Algarve e o Pai Natal

Portugal, mais tarde ou mais cedo, vai sair do euro. E não vai sair sozinho. Nem será o primeiro a sair. A menos que saiam alguns ao mesmo tempo. E nesse caso, sairá no primeiro grupo. Ou então sai no grupo em que todos saírem, quando o sonho se esvair. Mas lá que sai, sai.
O Roubini diz que sim. E foi ele que adivinhou a crise financeira de 2008. Os outros não adivinharam nada. Por isso este merece mais crédito. E já há tipos, aparentemente professores universitários da matéria, que dão conselhos acerca do que devemos ter em casa para o caso de o euro acabar. É mais ou menos o mesmo que recomendam para os terramotos. Incluindo as garrafas de água e as lanternas que se carregam à manivela. Por isso não tenho dúvidas, o euro vai acabar. E vai acabar mal.
Mas antes disso vamos continuar a ser esmifrados pelo governo - obediente aluno e cumpridor acéfalo das diretivas dos seus professores que andam às ordens do louco capitalismo financeiro – em nome do corte da despesa, da contenção, do equilíbrio orçamental, dos mercados e da troika.
Todos já sabem que a receita não resulta. Aniquila a economia e, sem economia, não se produz riqueza. Sem produção de riqueza não entram impostos nas Finanças nem descontos na Segurança Social.
 Mas o governo quer é agradar aos seus amos. Aparentemente, desconhecem que quando os amos decidirem que não servem, descartam-se deles e mandam-nos para Paris, estudar.
Entretanto, o povo definha. Agora são os 14 meses dos funcionários públicos reduzidos a 12. Já meteram os pés pelas mãos, mas a verdade vem ao de cima. E, tal como se calculava, vão fazer tudo para nunca mais os pagarem.  Claro, os privados não cabem em si de contentamento. Quem os obrigará a pagar se o Estado não o faz? Na televisão atropelam-se os adeptos desta tese tecendo loas às vantagens de receber 12 meses em vez de 14. Para as empresas, claro. E tentam convencer-nos de que para os trabalhadores também. Porque gastam os subsídios em bens supérfluos, importados, e isso é mau para o orçamento e para o país.
Sair do euro, ainda vá. Acabar o euro, já estamos à espera. Mas nunca mais recebermos a dobrar em julho e em novembro? É excessivo.
O Algarve não merece. E o Pai Natal também não!