terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Arrepio na barriga

Terminou mais uma Cimeira Europeia. Com os resultados do costume.
Foi rejeitada a mirabolante proposta alemã que reduzia a Grécia a um quase estado-falhado, sujeito a viver sob a tutela de um comissário europeu.
A Alemanha continua a querer fazer passar por parvos, não só os países europeus que foram apanhados pela grande vaga da crise do euro, como os restantes países que ainda alimentam a ilusão de manter a cabeça fora de água. Assumem-se como salvadores, quando são os principais responsáveis pelo ponto a que chegou o euro e, consequentemente, a Europa.
A manutenção desta situação é muito rentável para os seus bancos que, embora saibam que estão a arrastar para o abismo todo o sistema, não conseguem parar. Porque a ganância está inscrita no código genético do capitalismo. E pode levar à sua destruição, quando não é regulado, ou seja quando, como agora acontece, ele próprio se regula.
Agora vão tratar de emprestar mais algum dinheiro, “perdoar” outro e ganhar mais uns trocos com o sofrimento de um povo que foi ingénuo ao ponto de esperar alguma solidariedade da Europa.
E também começam a falar de crescimento da economia. E de como ela é importante para sair desta crise. Só ainda não descobriram que, em países completamente destruídos pela austeridade, esta receita do crescimento económico, por acordo, dificilmente funcionará.
E o patético presidente da Comissão também anunciou umas artimanhas anunciadas para manter os jovens ocupados, via Fundo Social Europeu. Talvez sirvam apenas para suavizar as estatísticas do desemprego. E isso não conta como crescimento.
E, como forma de distrair as atenções, acordaram também em limitar o défice dos países, por lei ou através das respetivas constituições. Sabem perfeitamente que isto não serve de nada. O problema principal não é esse e não é para levar a sério, sobretudo se os alemães ou franceses forem os primeiros a não o respeitar.
A Europa parece começar a estar viciada na adrenalina do desastre iminente, na batida forte do coração em situações de risco, no arrepio na barriga, no suor frio do medo antes do choque final.
Mas as histórias de suspense nem sempre acabam bem. Às vezes o herói também morre.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Paradoxo da natalidade autodestrutiva

A natalidade em Portugal é das mais baixas do mundo. O país envelhece, tristemente. Mas este fenómeno não é só nosso. O mundo ocidental degenera-se, embolorece, apodrece.
O crescimento económico é proporcionalmente inverso ao rejuvenescimento da população. A este fenómeno poderia chamar-se o Paradoxo da natalidade autodestrutiva.
O desenvolvimento, criado pelo ser humano, contribui canibaliza o fator que o sustenta.
Não é compreensível, pelo menos à primeira abordagem, que, nas sociedades em que o nível de vida atingiu o ponto mais alto desde que existe vida na Terra, as mulheres tenham cada vez menos filhos.
Porém, este parece ser o preço a pagar pela vida aparentemente cómoda que estas sociedades atingiram: a sua autodestruição.
As sociedades, ditas desenvolvidas, exigem tanto dos seus súbditos, que estes perderam irremediavelmente a capacidade para atuarem de acordo com as regras e os apelos da natureza. Da sua própria natureza: a natureza humana.
Organizaram-se em comunidades políticas, económicas e sociais que lhes restringem as mais óbvias liberdades individuais, como seja a der ter os filhos que querem quando quiserem. Este deveria ser o primeiro dos direitos humanos. Sem seres humanos não há Humanidade.
Hoje, apenas nas sociedades menos “desenvolvidas” o podem fazer.
Mas aí logo se deparam com ostros problemas. Não se trata de saber se têm tempo para eles, se têm dinheiro para lhes dar uma boa educação, bens de consumo iguais aos dos colegas, ou férias na praia ou na neve. Mas, mais prosaicamente: se têm comida para que possam sobreviver.
É assim este paradoxo. Quanto mais comida, menos filhos; quanto menos comida mais filhos.
E isto um dia vai ter resultados muito radicais no futuro dos países que, incrivelmente, deixaram de ter filhos. Felizmente os outros continuam a ter filhos. Muitos filhos, demasiados filhos. Com fome. Muita fome.
Resta-lhes, aos que têm fome, procurar o seu alimento onde ele existe. Na terra dos que muito desperdiçam. Mas que não têm filhos.
A seu tempo, tudo se resolverá. O desenvolvimento será menos desenvolvimento e haverá mais natalidade. As necessidades individuais serão menores. Dar-se-á mais valor às pessoas e os famintos comerão.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Missangas

No século XVI, no que é o território de Angola, os portugueses de então faziam grandes negócios com os sobas: trocavam missangas por seres humanos. Os africanos conheciam o cativeiro, mas ainda não sabiam que os prisioneiros podiam ser trocados por mercadorias.
Nem todos gostaram da ideia e muitos se revoltaram contra ela. Mas os portugueses, matreiros, incentivam a corrupção, a intriga e a discórdia e o negócio tornou-se muito lucrativo.
Passaram-se quinhentos anos, os portugueses são outros e os angolanos também. Os negócios são os mesmos. Os escravos, embora sem valor de mercado, são os mesmos.
Hoje, a cleptocracia reinante continua a fazer da corrupção a base dos seus negócios. E diversificaram os seus parceiros, são agora chineses ou brasileiros, mas continuam a lidar melhor com aqueles que melhor os conhecem: os portugueses.
Recebem missangas, como sempre receberam, só que agora na forma de tecnologia, serviços, construção, equipamento, comida, bebida, luxos.
E dão, em troca, dinheiro, muito dinheiro.
Mas, de onde vem esse dinheiro? Da rapina dos recursos naturais: essencialmente petróleo e diamantes. Já não há escravos para servirem como moeda de troca. Já não estamos no tempo da troca direta. Agora s coisas dão mais umas voltas para disfarçar.
No entanto, os efeitos para os povos do país são, na realidade, os mesmos. Vidas desgraçadas de miséria, na escuridão da ignorância e da exploração. A novidade em relação ao antigamente é apenas de terminologia: a atuação destes grandes sobas configura agora violações grosseiras dos direitos humanos.
Quando os diamantes são explorados pelos grandes do regime, matando, violando, silenciando; quando o petróleo é explorado sem qualquer controlo público; quando os seus fabulosos lucros vão para as contas pessoais dos sobas, o que é que mudou?
Portugal continua a pactuar com o roubo, a exploração e a morte dos povos angolanos. Os sobas, em troca, fazem investimentos em Portugal, dão liquidez a uma economia falida, desfeita, sem garra e sem ideias.
Mas houve, nos séculos passados, quem se levantasse, e lutasse, para pôr fim ao sistema esclavagista – mais lá que cá, é verdade.
Como a história de vai repetindo, sem se repetir, um dia tudo vai mudar. A cleptocracia ruirá, os cleptómanos envelhecerão nas prisões, Angola e os angolanos poderão respirar e usufruir das riquezas que o criador lhes atribuiu.
Portugal não vai poder trocar as suas missangas.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O fator externo

O primeiro-ministro disse ontem que Portugal não vai precisar de novo apoio internacional nem de dilatar os prazos para pagar os empréstimos. A menos que fatores externos a isso obriguem.
Ora, esta declaração não tem pés nem cabeça, não é séria ou demonstra uma grande incapacidade para interpretar o tempo em que vivemos. Pois, se foi a globalização, o fator externo, que nos conduziu a esta situação, se foi de fora que veio o dinheiro que alegadamente lhes devemos, se qualquer espirro nos mercado, externos, nos fazem estremecer e endividarmo-nos mais uns milhões, como é que é possível não sermos condicionados pelo fator externo?
É mais uma vez a expressão da esperteza saloia, para consumo interno, e a subserviência do aluno bem comportado, para conhecimento internacional.
Cada vez me convenço mais que estamos a ser dirigidos por títeres manipulados pelos mesmos bonecreiros que nos conduziram a esta miserável situação e aos quais apenas basta mudar o personagem para iludir os espectadores.
Não é hoje possível esperar que, mesmo cumprindo tudo o que nos obrigaram a cumprir, consigamos ultrapassar este estado a que chegámos. Todos os indícios nos dizem que não.
Mesmo que consigamos cumprir os acordos que os nossos dirigentes cobardemente assinaram, o fator externo - os mercados – poderão reduzir-nos a pó.  
Este processo conduzir-nos-á inexoravelmente à pobreza mais ignóbil. Seremos pobres, mas bem-mandados.
 Todas as ditaduras sonham com isso. Já vivemos sob uma: a do capital financeiro que está a destruir o mundo ocidental, do humanismo e dos valores, a que chamámos nosso.
E os seus criados continuam a governar-nos, tentando desesperadamente chamar a atenção dos seus chefes, pela obediência, pela subserviência e pela humilhação.
E, depois, ainda nos fazem crer que o fator externo é que poderá afetar o cumprimento dos acordos. Como se não soubéssemos isso desse o primeiro dia.
Como podemos acreditar nesta gente? Eles são a excrescência do fator externo.  

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cavaco, o altruísta

O país está em transe. O presidente Cavaco vê-se aflito para viver com a reforma e tem de mexer nas poupanças para dar conta das despesas.
Tudo isto seria normal se o presidente fosse um português comum. Embora os portugueses comuns não tenham poupanças e tenham de se desenrascar com os ordenados e as reformas roídos pelos cortes.
Mas o presidente não é um português comum. É o português que os portugueses escolheram para o cargo mais alto da nação. Representa a república, garante a independência nacional, a unidade do estado e o regular funcionamento das instituições democrática e é o chefe supremo das forças armadas. Não é, pois, um português comum.
Mas comporta-se como se de um português comum, e chico-esperto, se tratasse.
As reformas deveriam ser para os reformados. Mas Cavaco quis continuar na vida ativa e tem esse seu direito. Terá pensado em arredondar a reforma com o vencimento de presidente.
Trocaram-lhe as voltas. A lei obrigou-o a optar. Claro, escolheu opção mais vantajosa: optou pela reforma em detrimento do vencimento. O valor da reforma é superior ao vencimento de presidente.
E por esta decisão se percebe toda uma forma de estar na vida e de desempenhar o papel de presidente. Prescindiu do vencimento de presidente, não por altruísmo, mas por interesse. Caso não o fizesse, ficaria a ganhar menos do que se passasse os dias no jardim a bronzear-se.
E esta é a questão fundamental: qual é a respeitabilidade de um presidente que escolhe não ser remunerado pelas funções que efetivamente exerce porque o valor do vencimento que lhe corresponde não é suficientemente alto? E que, por isso, prefere receber a reforma, de valor superior, sabendo que não está efetivamente reformado?
E depois ainda vem, publicamente, assumir que é um sacrificado e que o valor da reforma não lhe chega para as despesas.
Mas, sabendo-se que essas despesas não serão certamente as despesas inerentes o cargo – que serão sempre assumidas pela presidência da república -, que outras despesas serão? É que esta situação nos deixa angustiados, pois caso não fosse presidente, e tendo que se alimentar da sua reforma, teria ainda muito mais dificuldades. O que é preocupante.
Por decoro, não vou aqui falar em valores. Já foram excessivamente expostos, esmiuçados e, obviamente, desancados. Infelizmente, não pela razão nobre da denúncia das injustiças, mas porque a inveja nacional, estimulada pela crise, assumiu esse papel.
Em suma, temos um presidente reformado que exerce a presidência à borla vê-se aflito para pagar as contas. Este homem deveria ser reconhecido, idolatrado, endeusado. A sua abnegação é exemplar. Um exemplo a seguir. (Lembrei-me agora que afinal o exemplo já foi seguido. E logo pela presidente da assembleia da república. Por coincidência, a segunda figura do estado. Agora não me lembro quem é a terceira…)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Síndrome de Estocolmo

Este blogue foi criado no dia da assinatura do acordo de concertação social entre o governo e alguns parceiros sociais. Triste sina.
O tresloucado capitalismo financeiro de índole ultraliberal que tem mandado no mundo, com os resultados que estão à vista, conseguiu, via troika, pôr de joelhos os desorientados portugueses.
Será um lugar-comum dizer que este é o maior retrocesso nos direitos dos trabalhadores desde o tempo do fascismo. E é verdade.
Nunca, como agora, e de uma só vez, se rasgaram tantos compromissos, se renegaram tantos princípios, se desonraram tantas lutas.
Dir-me-ão que os tempos são outros, que sem estas medidas não conseguiremos cumprir o que foi acordado. Enfim, que não poderemos pagar as dívidas e seguir em frente.
Parece claro. Mas não é. Esquece uma coisa muito simples: a dívida é uma fraude. Ninguém no seu juízo perfeito acreditará que o país deve aquele dinheiro todo.
E mesmo que o consiga pagar, o que é altamente improvável, a economia terá atingido o ponto mais baixo, desde a invenção da roda.
Que os mercados, as agências de rating e o capitalismo financeiro são completamente insensíveis a qualquer valor social já se sabia, que a ganância é a sua alma, também, mas que os governos – supostamente em nome do povo – e os sindicatos – supostamente em nome dos trabalhadores – acreditem nisso, é que é triste.
O mundo está na mão de umas dúzias de doidos que se divertem a enriquecer com dinheiro que não existe, porque são eles que o multiplicam de forma artificial, mas que nos convencem que existe, que nós o devemos e que temos de o pagar. A quem? A eles.
Tudo o resto não lhes interessa. Mas há um problema: as pessoas.
As pessoas, sim. Os seres humanos. Seres sensíveis e com necessidades básicas. Com uma enorme capacidade de sacrifício, de sofrimento, de compreensão. Sim, esses. Que um dia se fartam, se revoltam, destroem e matam e morrem, por alguma coisa, ou por nada.
Que os governos e alguns sindicatos não percebam isto, é que me admira. Ainda não perceberam que têm de pôr os pés à parede e dizer não?
A ingenuidade e a estupidez não justificam tanta subserviência. O medo do caos não justifica tanta irresponsabilidade.
Proponho uma explicação para o comportamento da generalidade dos representantes do povo e dos trabalhadores: eles sofrem do Síndrome de Estocolmo.
Apresentam um estado psicológico semelhante ao das pessoas que são vítimas de sequestro, em que a vítima desenvolve sentimentos de lealdade para com o sequestrador apesar da situação de perigo em que se encontra.