sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Missangas

No século XVI, no que é o território de Angola, os portugueses de então faziam grandes negócios com os sobas: trocavam missangas por seres humanos. Os africanos conheciam o cativeiro, mas ainda não sabiam que os prisioneiros podiam ser trocados por mercadorias.
Nem todos gostaram da ideia e muitos se revoltaram contra ela. Mas os portugueses, matreiros, incentivam a corrupção, a intriga e a discórdia e o negócio tornou-se muito lucrativo.
Passaram-se quinhentos anos, os portugueses são outros e os angolanos também. Os negócios são os mesmos. Os escravos, embora sem valor de mercado, são os mesmos.
Hoje, a cleptocracia reinante continua a fazer da corrupção a base dos seus negócios. E diversificaram os seus parceiros, são agora chineses ou brasileiros, mas continuam a lidar melhor com aqueles que melhor os conhecem: os portugueses.
Recebem missangas, como sempre receberam, só que agora na forma de tecnologia, serviços, construção, equipamento, comida, bebida, luxos.
E dão, em troca, dinheiro, muito dinheiro.
Mas, de onde vem esse dinheiro? Da rapina dos recursos naturais: essencialmente petróleo e diamantes. Já não há escravos para servirem como moeda de troca. Já não estamos no tempo da troca direta. Agora s coisas dão mais umas voltas para disfarçar.
No entanto, os efeitos para os povos do país são, na realidade, os mesmos. Vidas desgraçadas de miséria, na escuridão da ignorância e da exploração. A novidade em relação ao antigamente é apenas de terminologia: a atuação destes grandes sobas configura agora violações grosseiras dos direitos humanos.
Quando os diamantes são explorados pelos grandes do regime, matando, violando, silenciando; quando o petróleo é explorado sem qualquer controlo público; quando os seus fabulosos lucros vão para as contas pessoais dos sobas, o que é que mudou?
Portugal continua a pactuar com o roubo, a exploração e a morte dos povos angolanos. Os sobas, em troca, fazem investimentos em Portugal, dão liquidez a uma economia falida, desfeita, sem garra e sem ideias.
Mas houve, nos séculos passados, quem se levantasse, e lutasse, para pôr fim ao sistema esclavagista – mais lá que cá, é verdade.
Como a história de vai repetindo, sem se repetir, um dia tudo vai mudar. A cleptocracia ruirá, os cleptómanos envelhecerão nas prisões, Angola e os angolanos poderão respirar e usufruir das riquezas que o criador lhes atribuiu.
Portugal não vai poder trocar as suas missangas.

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