domingo, 30 de dezembro de 2012

Morte ao Estado e a quem o apoiar!


Chegámos ao fim do ano. O plano que os senhores do mundo idealizaram e mandaram aplicar ao nosso país está a resultar. Estão fartos de ganhar dinheiro com ele. Os seus executores têm sido fiéis e serão recompensados. O estado social afunda-se, o desemprego aumenta, a economia regride, mas os juros pagam-se. É o que lhes interessa.
Não sei quanto mais tempo o povo aguentará esta opressão. Mas o povo anda baralhado, e ao alinhar com a demagogia populista que nasceu com a crise, também tem sido um aliado dos opressores. A situação justifica explosões de raiva contra quem fez chegar o país a este estado, mas não pode justificar nunca os ataques que o Estado tem sofrido no meio desta balbúrdia.
Uma oisa é certa: o capitalismo financeiro mundial, cego pela sua ganância, está a acabar com o Estado. Não só com o estado social, mas com o próprio Estado!  Por uma vez juntos, Bakunine, Goldman Sachs e o populismo demagógico.
E o povo, por muitas queixas que tenha do Estado, ou melhor, dos que ocupam lugares no Estado, depende desse Estado para manter uma qualidade de vida aceitável, seja na educação,  na saúde, ou nas prestações sociais. Parece que não entende isso quando se deixa manobrar pela demagogia populista da comunicação social, incluindo os da blogosfera. Embora seja legítimo querer acabar com o Estado, devemos possuir a bagagem ideológica que sutente essa ambição e prever as consequências dessa possibilidade.
O que o povo não sabe é que os que representam o Estado também não acreditam nele. Se acreditassem não aplicariam as receitas que os seus mentores lhes fornecem, nem contribuiriam para a sua destruição. No entanto, é o que fazem. As suas políticas de diminuição do estado social, reduzindo as prestações devidas aos mais desprotegidos, destruindo o pacto social e privatizando a saúde, a educação e os bens essenciais para a sobrevivência como a água e a eletricidade, são a prova de que só o lucro interessa, o ser humano só atrapalha. E sem humanos não há Estado.
Esta teoria já fez o seu caminho, quando os pobres produziam proles intermináveis e a substituição do ser humano era tão fácil como a de um parafuso. Hoje é diferente, na Europa, a fraca taxa de natalidade não o permitirá. A Europa definha e morrerá se for por este caminho.
Bem sabemos que as civilizações e os impérios têm sempre um fim e são substituídos por outros. Mas porque temos nós de ser os seus algozes?
Se quisermos eliminar o Estado, sigamos Bakunine. Mas fujamos a sete pés do capitalismo financeiro mundial e do populismo demagógico. Saibamos distinguir entre o sonho e o pesadelo.



quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O boomerang e as cabeças partidas


Finalmente, a primeira carga policial da era das manifestações contra a austeridade e a troika.
O grupinho dos arruaceiros quase-profissionais que tanto tem trabalhado para conseguir este objetivo está de parabéns. Praticamente um ano de ensaios e tentativas infrutíferas e, agora, o prémio: um arraial de chanfalhadas nas cabeças ocas e nas costas folgadas. Já mereciam, não tenhamos dúvidas. E o efeito mediático incha-lhes os frágeis egos e traz-lhes o justo, embora atrasado, reconhecimento público.
Pecaram, porém, pelo excesso de queixinhas e choraminguices, os menos ágeis, aqueles cujas cabeças tiveram de ser suturadas ou foram submetidos às formalidades legais pós-arruaça.
Mas estes tipos serão tão estúpidos que não consigam aperceber que os polícias não são os responsáveis pela dívida, nem pelo acordo com a troika, nem pela política do governo, nem pelo estado a que o país chegou?
Ter-lhes-á passado pela cabeça que aqueles polícias que eles apedrejaram durante quase duas horas são uns desgraçados como eles, com contas para pagar e filhos para criar?
Bem sabemos que o sistema utiliza a polícia para se proteger e para perpetuar o seu poder, mas quando um sistema apodrece, esboroa-se e não há polícia que lhe valha. Já vimos isso acontecer no nosso país e devíamos aprender alguma coisa com a História.
Compreendo que para esta geração, que não viveu qualquer guerra, seja motivo de orgulho a cicatriz na cabeça ou o nariz partido e que as fotos sejam exibidas e partilhadas ad nauseum pelos amigos virtuais.  Também os seus pais ou avós, depois de virem de África, ostentavam a marca deixada por um estilhaço de uma granada ou uma tatuagem num braço.
Tal como os seus pais e avós, que sofreram numa guerra alheia, os polícias foram apedrejados por uma causa que não é, certamente, a deles.
Os arruaceiros, esses, enganaram-se no alvo e correm o risco de virarem o povo contra si. Quando não sabemos direcionar a raiva, ela volta-se sempre contra nós. Os apedrejadores serão o alvo do seu boomerang. Mas só o saberão tarde de mais.
Entretanto, não longe dali, o governo ria-se baixinho e “trabalhava”. O presidente, não longe do governo, com a de cara de pau habitual, “trabalhava”. O dia estava ganho: a greve geral passou para segundo plano nos telejornais; a grande manifestação pacífica também.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O estímulo de Teseu

A Grécia vai morrendo à nossa frente. Nos televisores das nossas salas, todas as noites, depois do jantar.
Acompanhamos mediaticamente a situação, sem a querer ver, sem querer pensar nela. Sabendo que somos os próximos da fila, estamos em negação, desviamos os olhos e assobiamos para o lado. Não é nada connosco. E com o mal dos outros podemos nós bem.
O governo tenta, malabaristicamente, demonstrar que Portugal não é a Grécia. Que a situação é muito diferente. Que eles são maus e nós bons. O povo, submerso em humilhação, vê nesta aparente diferença um motivo de orgulho. Embora com fundamentos e objetivos diferentes, governo e povo parecem estar de acordo: os gregos estão pior que nós porque são piores que nós.
Nada disto faz sentido. Os governos dos países que têm sido alvo dos especuladores e dos assassinos financeiros deveriam estar unidos e falar com uma única voz. A voz da razão, dos direitos fundamentais, da luta contra a iniquidade, da defesa dos direitos das pessoas e da sobrevivência dos países e da dignidade dos seus povos.
A solidariedade popular transnacional deveria impor-se à observação narcisista do umbiguismo nacional e o povo compreender que não somos melhores que os gregos. Somos, na miséria a estamos subjugados, iguaizinhos aos gregos. Somos as vítimas de um sistema obsceno que se alimenta das nossas vidas, que nos rouba a esperança e nos esmaga o futuro. Sejamos portugueses ou gregos.
Não podemos esperar que os governos, o português ou o grego, nos libertem da servidão que nos foi imposta. Nunca o fariam e não estão no poder para isso.
Resta-nos, enquanto povo, lutarmos em conjunto com os outros povos, para o desmantelamento do sistema que nos conduziu à ruína. Em Lisboa ou em Atenas.
Quando a Grécia sofre, deveríamos sofrer com ela. Quando a Grécia luta, deveríamos reforçar a sua luta. Estamos do mesmo lado da barricada. Enquanto não percebermos isso, seremos sempre um alvo mais fácil. Os algozes agradecem.
Teseu, rei de Atenas, faz-lhes muita falta. Convenceu Hércules, que pensava suicidar-se, de que isso seria um erro e encorajou-o a seguir em frente e a lutar.
Todos juntos, gregos e portugueses, temos a força de Hércules. Que Teseu nos dê estímulo. É só o que nos falta.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O FMI e os leões do circo

Muito se tem escrito, e reclamado, nos últimos dias por os técnicos do FMI já cá estarem a ajudar o governo a cortar na despesa pública.
Não sei qual é a admiração. Eles já mandaram no Orçamento de 2012 e fizeram o de 2013. A diferença é que o governo, que durante este tempo ainda tentou enganar-nos dando a ideia de que, efetivamente, é quem decide, perdeu a vergonha e assume, definitivamente, que não passa de um fantoche nas mãos do capital financeiro internacional. E pede o apoio do PS. O que, parecendo estranho, pois o PS está na oposição e votou contra este orçamento, não deixa de ser coerente. Esta é também uma ordem que tem de cumprir, pois, na lógica do FMI, é tudo farinha do mesmo saco, e quanto mais farinha, melhor.
O governo, ameaçando mais uma vez com a catástrofe iminente, agradece a salvação proposta pelo FMI, e lava as mãos das decisões criminosas que vai tomar.
A destruição da democracia vai somando vitórias, arrasando, à sua passagem, o estado social e aniquilando tudo o que contribuiu para que os portugueses tivessem atingido nas últimas décadas alguma dignidade enquanto seres humanos.
Os tipos vieram para cortar. Mas cortar em quê? Nos juros da dívida não será, com certeza. E esta seria a única despesa em que se poderia cortar. Porque, não sendo justa, é o garrote que estrafega a economia. Tudo o que se consegue produzir é diretamente engolido pelo monstro.
É o que, historicamente, acontece aos que perdem as guerras. Depois de derrotados, humilhados e exangues, os vencedores ainda lhes exigem, sadicamente, mais sacrifício, mais sofrimento, mais humilhação.
Portugal foi arrastado para a Europa no vórtice obsessivo da integração como catarse da descolonização. Sugado pela sedução do estado social que dignificasse os portugueses, aviltados e condenados à pobreza pelo autoritarismo repressivo do anterior regime, Portugal acabou por cair nas mãos do capitalismo financeiro internacional, sem pena nem glória.  
Enquanto alguns se iam entretendo com umas cenouras, o aparelho produtivo foi destruído em nome da modernização e da integração. Os especuladores iam dando crédito ilimitado ao Estado e aos bancos, e estes, faziam as suas negociatas, num trapézio sem rede, fiando-se na imensa multidão que, por baixo deles, ululavam e se digladiavam divertidamente pelas migalhas que caiam.
 O crédito acabou, os agiotas rondam a porta do circo e o sonho de um moche em câmara lenta, amparado pela turba, desfez-se. O circo está sitiado e os trapézios arrumados. A multidão, já nas bancadas, volta, por vezes, à arena para apupar os trapezistas que tentam, desesperadamente, sair pela cúpula da tenda, deslizarem para o exterior e juntarem-se aos seus amos.
O que não sabem é que o escorrega vai dar diretamente à jaula dos leões. Ainda bem!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Azazel contra Belzebu

Sobre a proposta de Orçamento já muito se disse. O diagnóstico do nosso futuro está feito. É um Orçamento de destruição seletiva com efeitos colaterais globais, na sociedade e no país.
O Governo trabalhou bem! Está a conseguiu aniquilar a classe média. E, com ela, a produção, o consumo, o investimento e a economia. Já tinha reduzido os pobres a pó, agora reduz a classe média - a média baixa, a média média e a média alta - a gravilha. Fininha, muito fininha.
Ironicamente, os executantes portugueses da solução final idealizada pelo capitalismo financeiro global conseguiram concretizar um dos sonhos do socialismo científico: a criação de uma sociedade sem classes. A dos pobres, claro! Na verdade, também sobrou a deles, a dos carcereiros da gigantesca prisão de escravos financeiros em que nos transformaram.
A proposta de Orçamento é a materialização legal da gula deste capitalismo destruidor. Gula, não já na aceção comum do pecado relacionado com o desejo insaciável de comida e bebida, mas, sobretudo na de egoísmo humano, no querer ter mais e mais, cada vez mais e mais.

Belzebu foi o demónio que a Binsfeld's Classification of Demons fez corresponder, em 1589, à gula. E bem! Há sempre um demónio por trás de um pecado.

Nem nos passaria pela cabeça que Belzebu não estivesse por trás daqueles que nos sacam o que temos e o que teríamos se eles não tivessem aparecido. A sua voracidade é insaciável, é uma avidez incontrolável, uma ganância sôfrega, uma gula salivante.

Mas eles preferem não querer saber que o dinheiro pelo qual matam e destroem, não existe. É fruto da sua imaginação doentia, do delírio da sua cobiça. Não é consequência da economia ou da produção, nem representa qualquer riqueza. É pura ilusão. Fortunas que não passam de bolas de sabão.
Podemos lutar contra o Governo, mas nada se resolverá se não derrotarmos Belzebu! Como assuntos de demónios devem ser resolvidos pelos demónios, recorramos ao único demónio capaz de o derrotar: Azazel, o demónio da ira.
Invoquemo-lo, pois, com muita convicção. Ira não nos falta!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Com uma pistola apontada à cabeça


Finalmente alguém da área do governo me dá razão. Já não era sem tempo.
Tenho aqui defendido que os atores principais desta peça democrática que é representada em tristes sessões contínuas, à nossa frente, são manipulados pelos bonecreiros do capitalismo financeiro mundial. Sei que muita gente pensa que este tipo de análise da realidade é excessivo e que radica numa obscura teoria da conspiração. É legítima esta opinião, mas os que não acreditam nela não conseguem interpretar melhor os fenómenos que estamos a viver nem explicar de forma convincente o que nos está a acontecer.
E, eis que se fez luz na bancada parlamentar do partido maioritário que apoia o governo: uma sua vice-presidente, declarou, em plena sessão em que se discutiam as duas moções de censura apresentadas pela esquerda, que quem lhes paga o salário é a troika.   
Mas o que nós sabemos, e que a senhora deputada parece não querer saber, é que esta troika não tem vida própria, pois é uma reles mandatária do capitalismo financeiro mundial, seu idolatrado chefe, ao qual presta contas e obedece cegamente. Portanto, no fundo, quem paga aos assalariados é o patrão.
E sabemos ainda mais: o pagamento é feito com o dinheiro que nos é roubado. Legalmente, com uma pistola apontada à cabeça.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Prisão para os ladrões de ilusões!

Esta democracia é uma treta. Está enredada num formalismo sem conteúdo. Os seus titulares valem o mesmo que ela, ou seja, nada. Não têm qualquer margem de manobra ou de liberdade para darem voz aos que os elegeram.  
Muitas vezes, confunde-se democracia com liberdade de expressão: se se pode criticar, a democracia existe. Mas esta conclusão não passa de uma equívoco. E é curioso, porque o povo pode falar, mas os que elege para falarem em seu nome não falam. Ou porque não podem ou porque não querem.
A essência da democracia perdeu-se no confronto com a realidade. A partidocracia, constitucionalmente consagrada, ajudou. E, hoje, a gestão do Estado não é exercida pelo povo, através da escolha dos seus elementos mais capazes para os representarem.
O sistema partidário, organizado de forma corporativa, matou qualquer tentativa de fazer eleger os melhores, os que o povo efetivamente quer para seus mandatários. Os aparelhos dos partidos tudo controlam e tudo corrompem. As listas que se apresentam a eleições, sejam quais forem, são imposição destes aparelhos. Que, por seu lado, são controlados por pequenos sipaios da enorme rede do capitalismo financeiro mundial, na qual ocupam o lugar mais baixo da hierarquia. Falo, obviamente nos partidos com possibilidade de chegarem ao poder dentro do sistema, ou outros estão manietados por outros lios.
Indiretamente, foi o que os manifestantes de 15 de Setembro quiseram dizer. E, talvez, os de 29 de Setembro.
A resposta dos que estão lá para nos representar e não nos representam foi a do costume e, cumprindo o plano que os seus verdadeiros patrões do capitalismo financeiro internacional, anunciaram mais medidas torturantes. E a CGTP, uma greve geral. E PCP e o BE, moções de censura. E o PS, abstenções nas moções e voto contra no Orçamento. Tudo na mesma, portanto.
Não fiquei admirado com estas reações, nem com a sondagem, segundo a qual 87% dos portugueses estão desiludidos com a democracia. Incrivelmente, os media também não. Não lhe deram qualquer relevância. Tornou-se normal prometer e não cumprir. A democracia não sobreviveria, se se dissesse sempre a verdade. E os media fazem parte do sistema.
Mas, havendo tantos desiludidos, isso quer dizer que já houve muitos com ilusões. Que lhes foram oferecidas ou vendidas. Diz o povo que quem dá e volta a tirar ao inferno vai parar. Como já vivemos no inferno, preferíamos não os ter como vizinhos.
Por isso, proponho que se criminalize o roubo de ilusões. Com pena de prisão. A cumprir em prisões especiais, transparentes, com vidro antibala. E itinerantes, para percorrerem o país em tourné.    

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Acabemos com eles!

Cada vez é mais claro que a democracia não serve para nada. E se o país for pobre e o sistema corrupto, ainda serve para menos.
A democracia, enquanto forma de organização política em que o povo, mesmo indiretamente, tem o poder de organizar a sociedade, tomando em mãos o seu destino coletivo, chegou ao fim.
Para que servem as eleições, se os eleitos não têm a mínima possibilidade de aplicar o que prometem nos programas e nas campanhas eleitorais? Esta é a primeira hipocrisia da democracia: eles sabem que não podem cumprir, mas prometem! Ou porque nunca pretenderam cumprir ou porque são tolos e ainda acreditam que o podem fazer. Por isso, não deveriam merecer a nossa confiança.
Hoje, as decisões que condicionam a nossa vida não são sequer tomadas pelos políticos, eleitos ou não eleitos, mas sim pelo seu dono: o capitalismo financeiro internacional, cujo poder é tão grande que com um estalar de dedos pode fazer desaparecer um país do mapa. Por mais antigo e orgulhoso, por mais trabalhador ou empreendedor que seja o seu povo. Nada disso importa.
Os desígnios destes novos “deuses” não são, porém tão insondáveis como os dos antigos: se um povo pode ser explorado, mantêm-no vivo; se não pode, matam-no!
E nada disto tem nada a ver com democracia, votos ou interesses coletivos.
Durante décadas, ardilosamente, montaram a armadilha, contando com as fraquezas humanas dos governantes: a ganância, a inveja, a ostentação; a ilusão do poder. Estes, ofuscados, deixaram-se seduzir e, com mentiras fantasiosas e anestesiantes, arrastaram o povo para a caverna do vampiro.
Portugal é o exemplo claro da sua estratégia. Estamos agora na fase em que, já imobilizados, nos sugam o sangue até que, exangues, lhes morramos nos braços.
O sistema está pensado, e é aplicado, de tal forma que leva as vítimas a acreditar que sem os algozes não sobreviveriam. Os seus mandatários no país, eleitos pelo povo, fazem aqui um trabalho fundamental de convencimento sustentado na sua legitimidade “democrática”. São os acólitos de uma religião desumana, à qual prestaram juramento. As migalhas que recebem em troca fazem-nos pensar que estão acima dos restantes. Como os guardas recrutados pelos nazis entre os prisioneiros dos campos de concentração por uma tigela de sopa, em nome da sua sobrevivência, tornam-se mais cruéis que os seus carrascos.
O logro começa com o endividamento excessivo assente numa confiança absoluta no sistema. Depois as taxas de juros das dívidas soberanas aumentam descontroladas. De seguida, os seus agentes aplicam sadicamente a “necessária” austeridade. Poupar para pagar as dívidas. E os juros. Juros de juros de juros. Com taxas criminosamente agióticas.
É mais que evidente que as medidas que nos são impostas eliminam o emprego e o poder de compra, o investimento e as empresas, vão destruir a economia e, se não o impedirmos, destruirão o próprio país. Estão a fazê-lo na Grécia. Fá-lo-ão aqui, se os deixarmos.
Estas medidas constituem verdadeiros atos de pilhagem e algumas delas podem ser, literalmente, mortais.

Os governos, este e os anteriores, não passam de uma corja de palhaços tristes, subservientes e perversos, cujo único objetivo é agradar ao dono na vã esperança de lhes fazerem uma festa na cabeça.

Temos o dever – impelidos pela dignidade humana – de afrontar este governo, este sistema, este regime, por todos os meios, os já conhecidos ou os que a imaginação ainda nos permitir inventar.
O governo faz-nos a vida num inferno, infernizemos a vida do governo.
Acabemos com eles antes que acabem connosco.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

As férias do vendedor de jornais

Ora cá estão as férias. Os telejornais atropelam-se em reportagens imbecis acerca das férias dos portugueses: quem vai de férias, quem não vai, quanto vão gastar, par onde vão, o que vão comer, se levam a marmita, se compram a coca-cola no bar da praia, se comem uma bola de Berlim, ou duas, se o fato de banho que usam é do ano passado ou se é novo, porque é que a sogra este ano ficou em casa. E depois há o eterno filão do Algarve: se os hotéis estão cheios, se estão vazios, se os veraneantes ficam em casas particulares ou no parque de campismo, se vão aos restaurantes ou se saem à noite. Em nome da sanidade mental e informativa dos portugueses, os entrevistados deviam mandar as televisões para o raio que as parta. Mas não, respondem, expõem as suas misérias, riem-se para não chorar, dizem umas larachas, dão-se ares de habituação à preocupante e real descida do seu poder de compra e acusam a crise.
Foi esta vacuidade intelectual, esta inanição racional, esta apatia bovina que nos trouxe ao ponto em que estamos. No meio de uma crise monumental, para a qual nada contribuímos, aceitamos as medidas que nos são impostas, acriticamente, sofremos com a fatalidade e esperamos que nos tirem do buraco em que nos meteram.
E é precisamente esse o problema: os que provocaram a crise não nos podem tirar dela, ou porque não querem ou porque a ganância os fará procurar o lucro até ao fim, nem que sejam também engolidos pelo mostro que criaram e alimentam.
A essência deste capitalismo financeiro é amoral. Nunca esperem nada dele, pois ele nada nos dará. Nem que lhe ofereçamos a própria vida. E muitos europeus já o estão a fazer. Ele pedirá sempre mais. Mais sacrifícios e mais vidas. É disso que ele hoje vive. Ele não existe para dar, apenas para tirar.
No entanto continuam, as televisões e os media em geral, a apresentar a crise como um fenómeno mais ou menos natural, causado pelo consumo excessivo dos pobres, seja dos países seja das pessoas, que terão “obrigado” os bancos a emprestar-lhes dinheiro para os seus luxuriosos excessos. Mas tenham paciência, o capitalismo a todos vai salvar, apenas nos pede sacrifício e probidade. Temos de pagar o que devemos.   Afinal, somos ou não somos honestos? Nem que para isso destruamos as nossas vidas e os nossos países.
E se ele tiverem razão? Se calhar andámos mesmo a gastar demais.
Bem me pareceu que isto da bolha imobiliária tinha mesmo de rebentar e que as agências de rating nos iam baixar a nota quando soube que o vendedor de jornais que tem a banca aqui ao fundo da rua tinha ido de férias à República Dominicana.
Depois não digam que não abusaram.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Os comentadores e o ET

Agora foi a Espanha. Bem pode o Rajoy dizer que é um empréstimo europeu à banca e que o Estado não precisa de ajuda. Ninguém acredita. Nem ele. Mas é assim que deve ser. Dizer sempre o contrário do que toda a gente sabe para não enervar os mercados. Mas os mercados também sabem que o que se diz não é verdade e enervam-se na mesma. A mentira é o seu modo de vida. É uma das idiossincrasias do capitalismo decadente.
Nestas alturas os nossos minúsculos comentadores esticam-se todos e aparecem aos magotes nas televisões, a opinar. O pessimista Medina e a irreversibilidade do monumental afundamento; o agastado Silva Lopes a defender, sem argumentos, a manutenção do social; o Pina Moura a debitar a cartilha capitalista como se a tivesse absorvido na adolescência; o Braga de Macedo a falar de cátedra e a dominar os insondáveis segredos do capital; o Bento a exportar saber teórico; o Borges a dizer que não disse que era preciso baixar salários, mas que isso é que era bom; o Vitorino, do alto do seu metro e meio, a dar clamorosas lições de Europa, de euro e de política; e outros, muitos outros, de que não me lembro os nomes, os rostos, o passado, as opiniões.
Se um extraterrestre aqui tivesse chegado agora sem ter qualquer informação acerca desta gente ficaria impressionado com tanto conhecimento desperdiçado e questionaria a razão pela qual não se dedicavam estes magníficos cérebros à causa pública para salvarem o país, o euro, a Grécia, a Espanha, a Europa e, quiçá, o mundo.
Mas o ET vai ficar sem resposta. E nós também. As soluções deles só valem no mundo virtual. Não têm qualquer ponto de contacto com a realidade. Porque todos partem do princípio que o raciocínio lógico, utilizando mais ou menos conhecimentos teóricos e dados estatísticos, pode ser aplicado ao capitalismo atual. E não pode. O capitalismo de casino comparado com este não passa de um jogo a feijões. Este, para além de genocida, é autodestrutivo. É letal. E altamente contagioso.
E os comentadores continuam a comentar. Só que em circuito fechado. Não acredito que eles acreditem que alguém lhes liga alguma coisa. São o alimento diário de uma comunicação social que também vive para ela própria, sem qualquer contacto com a realidade. Uns comentam, outros noticiam os comentários, outros respondem aos comentários, outros noticiam, outros comentam as notícias…e volta tudo ao princípio.
O povo, entretanto, prepara-se para mais um jogo da seleção, com esperança na grande desforra dos humilhados. Os comentadores, altaneiros, também. Depois, a vida continua.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A troika, as pipocas e o Imperador de Jade

A troika está cá novamente para avaliar a aplicação das medidas do memorando da miséria.
Os governantes portugueses têm feito tudo para agradar aos amos aplicando as medidas a eito, sem medir as consequências, e com o beneplácito da flácida posição do PS.
Agora admiram-se todos de o desemprego ter chegado ao nível a que chegou e de não haver qualquer sinal de retoma da economia, quando qualquer aprendiz de economista poderia prever o que eles, intencionalmente, não previram.
O parlamento português foi o primeiro a aprovar o princípio do limite do défice orçamental e, agora que mudaram os ventos em França e a Alemanha está mais macia, é o primeiro a aprovar a proposta para uma adenda ao Tratado que contemple o crescimento. Mas eurobonds é que não, pelo menos não antes da chanceler ordenar. Em termos de oportunismo parolo ninguém nos bate. Nem nesta mania que os governantes têm de engraxar quem lhes parece que possa financiar mais umas loucuras.
Entretanto, a economia está de rastos, as empresas fecham, o desemprego aumenta, corre-se o risco de não conter o défice, os juros da dívida sobem, a receita pública diminui, a despesa pública aumenta.
Os baixos salários e o desemprego são, obviamente, os causadores de muitos destes males. Com salários de miséria, não há consumo, arrecada-se pouco IRS e pouco IVA, as empresas fecham. Com o desemprego aumentam os encargos com apoios sociais, não se consome, não se arrecadam impostos. E a coisa vai ser piorar no segundo semestre quando os cortes dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos se repercutirem na economia.
E, no entanto, a dívida soberana continua a aumentar. E continuará a aumentar enquanto não se cortar radicalmente com este sistema de submissão ao capital especulativo e à Europa do euro, ou do marco, ou lá o que é.
E o que é que a troika diz?
Diz que Portugal continua a ter um sistema salarial rígido e que os salários deveriam baixar. Ah, e quanto ao desemprego, vão pensar numa solução.
Eles cortaram-nos a chuva, como o Imperador de Jade. Mas nesse mundo celestial o Dragão era o responsável pela chuva e fez chover, desobedecendo a Jade, quando ouviu os gritos do povo que morria à fome. Então foi obrigado a descer ao mundo dos humanos e aprisionado por mil anos ou até que os feijões de ouro florissem. No ano seguinte, o povo fritou milho e, quando saltaram as pipocas, o Imperador de Jade foi enganado. Os feijões de ouro floriram. O Dragão voltou ao mundo celestial. E houve chuva com fartura.
Ai, se tivéssemos milho para fazer pipocas…

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sem pingo de vergonha

No Dia do Trabalhador, um dos poucos feriados com significado real para a maioria das pessoas, algumas cadeias de supermercados decidiram não encerrar. Afinal o dia comemora-se a trabalhador. Ou bem que os trabalhadores trabalham ou não. E nada melhor que trabalhar no dia que lhes é dedicado.
Bem, houve uns sindicatos que não acharam bem e convocaram uma greve para que aqueles trabalhadores não trabalhassem. Não sei se se realizou, pois ninguém deu conta dela.
Os outros trabalhadores, os que não foram para as manifestações, acharam muito bem que os supermercados estivessem abertos e estiveram a borrifar-se para os que não puderam celebrar o seu dia por estarem a trabalhar.
E, para felicidade geral, um desses supermercados, num acesso de prodigalidade, resolveu vender tudo ao preço da chuva, ou seja, carrinhos de 200 euros a 100. E foi o ver se te avias, literalmente. 
Filas intermináveis, prateleiras vazias, empurrões, demoras infinitas, zaragatas, puxões de cabelo, berraria, tabefes, polícia, ambulâncias. Houve quem entrasse pelo seu pé e saísse deitado, de maca.
Nada disto acontece por acontecer. É consequência da falência do sistema que tem governado o mundo. Este episódio, que é mais do que a caricatura revela, encerra um atentado à dignidade humana, e à dos trabalhadores em particular, e demonstra a insensibilidade e o desrespeito que o capitalismo tem em relação a tudo e a todos. Confirma-se que o seu objetivo é apenas o lucro. Nem que a sua procura incessante o leve à autodestruição.
O Pingo Doce fez dumping, não estando satisfeito abusando da enorme quota de mercado que tem na distribuição, visa destruir a concorrência. E fê-lo com despudor, arrogantemente confiante da ausência de consequências legais. Não respeitou sequer as próprias normas do capitalismo. Foi mais além.
Aproveitou-se da fragilidade da inesgotável horda de escravos que recruta, para lhes impor um dia de trabalho num feriado simbólico. Desrespeitou gerações de trabalhadores que lutaram, e alguns deram a própria vida, que contribuíram para que a nossa sociedade fosse mais humana e mais justa.
Aproveitou-se da miserável situação de milhares de portugueses que, em vez de lhes arremessar de dejetos em resposta à abjeta provocação, se perfilaram ordeiramente antes das 9 da manhã à sua porta, incompreensivelmente preparados para mais uma humilhação.
Se tivéssemos um pingo de vergonha não compraríamos nada a estes senhores. Eles que procederam à deslocalização fiscal para a Holanda. E não me venham falar nos postos de trabalho que criaram em Portugal. Hitler também criou milhões. Nos campos de concentração.
Este episódio foi experimental. O sistema recolhe e trata os dados. Afinal este povo está preparado sofrer ainda mais. Para se humilhar ainda mais. Possivelmente o capitalismo tem razão. Qualquer ser humano, colocado em determinadas situações, pode andar à chapada por um pacote de batatas fritas.

terça-feira, 24 de abril de 2012

25 de Abril e a cabeça do Zeca

Nunca gostei muito de comemorações.
 As comemorações perdem o sentido quando são aprisionadas pelas instituições. E quando se comemora um evento como o golpe de estado de 1974, que de imediato se transformou numa revolução popular, a festa deveria ser feita pelo povo.
Mas 38 anos é muito tempo e não há revolução que resista. A nossa depressa foi metida nos eixos e formatada pelo modelo da democracia capitalista.
Enquanto o povo andou entretido a usufruir de alguns direitos que, antes da revolução, nem desconfiavam que pudessem existir, as comemorações esmoreceram, fecharam-se nos vetustos monumentos e nos veneráveis ex-conventos e mirraram, mirraram, até quase não passarem de uma desconsolada rábula num triste e decadente espetáculo circense.
Este ano abusaram. A Assembleia da República, no âmbito das comemorações do 25 de Abril, homenageia Zeca Afonso.
É preciso descaramento.
 Zeca Afonso não merecia uma coisa destas. A sua memória devia ser preservada. Todos conhecemos o seu inconformismo, a sua luta pelos mais fracos, a sua dádiva desinteressada, o seu anticapitalismo, a sua repugnância pela exploração dos oprimidos. A sua canção era, efetivamente, uma arma.
Hoje, quem está no poder, tudo aquilo que defende quem está no poder, o que quem está no poder representa, é tudo aquilo contra o que ele cantou e lutou. É a escumalha capitalista que se autoapelida de democrata; são os esporeados sipaios dos mercados financeiros; as devassas prostitutas dos banqueiros; os lacaios dos ladrões internacionais; os aprendizes de trapaceiro; os poderosos e infelizes larápios de sonhos e de vidas.
O que estão a fazer, neste 25 de Abril, é servir fria uma vingança que há anos fantasiam.
Finalmente conseguiram. O 25 de Abril está morto. Já dançam na sua campa e jogam ao mata com a cabeça do Zeca.
Post-scriptum: Ainda bem que a Associação 25 de Abril não vai participar nas comemorações oficiais na Assembleia da República. Nem Mário Soares. Nem Manuel Alegre.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Madame Lagarde e os bifes

O ministro Gaspar disse claramente, há umas semanas, que Portugal voltaria aos mercados em Setembro de 2013. Parece que para Portugal isso é bom. Os portugueses, porém, gostariam de poder voltar ao mercado – ao municipal, ao mini, ao super ou ao híper -, ainda esta semana ou o mais tardar até ao fim do mês, se o ordenado chegasse para alguma coisa.
O chefe dele, depois disso, já considerou que poderia não ser mesmo assim, mas que logo se veria. O futuro a Deus pertence. E vamos continuar a reduzir o défice, a diminuir a despesa a aumentar o desemprego, a destruir a segurança a social e o serviço nacional de saúde, a flexibilizar os despedimentos, a dar sopa aos pobres, a extorquir impostos, a aumentar a eletricidade, a água, o gás, os transportes e a gasolina. Tudo como a troika mandou. E depois, se os mercados acharem bem, vamos pedir-lhes mais dinheiro, que pagaremos com os juros que eles quiserem.
É isto, para eles, a felicidade.
Agora vem o FMI, logo o FMI, a estragar tanta felicidade. Afinal Portugal precisa de mais 16 mil milhões a somar aos 78 mil milhões acordados com as troika e não deve poder voltar aos mercados em Setembro de 2013. É triste! O triste Gaspar ainda vai ficar mais triste. E vai ter de dar o dito por não dito. Mais um mal-entendido. Como o do corte dos 13.º e 14.º meses.
Até a Madame Lagarde reconhece agora que a receita aplicada foi demasiado violenta e a economia assim não funciona. Isto é um sinal. Quando a chefe do FMI, instituição ao serviço do imoral capitalismo financeiro, também acha que assim o Gaspar e o chefe dele estão a matar a economia, estamos conversados.
Aguardemos, então, bovinamente, que os mercados venham até nós. Nos abatam, nos desmanchem, nos esquartejam … e nos consumam. Em bifes de 150 gramas.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Dr. House e a crise

Sempre desconfiei que o mundo estava a correr alegremente para o abismo.
A loucura inebriante dos mercados e a milagrosa multiplicação apátrida do capital tinham qualquer coisa de psicadélico que criava um estado coletivo de consciência alterada a nível global.
Porém, lá no fundo, pensava que, no submundo das universidades, génios da ciência financeira preparavam em silêncio a solução para quando o delírio se desvanecesse.
Afinal não havia. Os cientistas da finança andavam todos metidos na festança. Os cérebros cansados de tanta alucinação, definharam. E agora é tarde demais para inventar uma saída.
Chegados a esta situação, as caquéticas organizações que mandam no mundo dão-nos receitas para nos salvarmos. Obrigam-nos a aceitá-las à força. E nós, vigiados pelo sistema que nos governa (governo, oposição, partidos, sindicatos, lóbis, bancos, etc.) tomamos os remédios, pela goela abaixo e com o nariz tapado.
Mas os efeitos secundários são maiores que os efeitos principais que, de um dia para o outro deixam de ser principais e passam também a secundários. E encontram-se outras causas e outros efeitos. E tomam-se outros remédios, cada vez mais malcheirosos, cabeludos e a saber a fénico.
E o doente piora, piora, exaure, transpira mais que respira, esvai-se num estertor de morte.
Fazia-nos falto o Dr. House para nos dar uma dose de efedrina enquanto descobre a solução para tão grande e quase fatal enfermidade.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O euro, o Algarve e o Pai Natal

Portugal, mais tarde ou mais cedo, vai sair do euro. E não vai sair sozinho. Nem será o primeiro a sair. A menos que saiam alguns ao mesmo tempo. E nesse caso, sairá no primeiro grupo. Ou então sai no grupo em que todos saírem, quando o sonho se esvair. Mas lá que sai, sai.
O Roubini diz que sim. E foi ele que adivinhou a crise financeira de 2008. Os outros não adivinharam nada. Por isso este merece mais crédito. E já há tipos, aparentemente professores universitários da matéria, que dão conselhos acerca do que devemos ter em casa para o caso de o euro acabar. É mais ou menos o mesmo que recomendam para os terramotos. Incluindo as garrafas de água e as lanternas que se carregam à manivela. Por isso não tenho dúvidas, o euro vai acabar. E vai acabar mal.
Mas antes disso vamos continuar a ser esmifrados pelo governo - obediente aluno e cumpridor acéfalo das diretivas dos seus professores que andam às ordens do louco capitalismo financeiro – em nome do corte da despesa, da contenção, do equilíbrio orçamental, dos mercados e da troika.
Todos já sabem que a receita não resulta. Aniquila a economia e, sem economia, não se produz riqueza. Sem produção de riqueza não entram impostos nas Finanças nem descontos na Segurança Social.
 Mas o governo quer é agradar aos seus amos. Aparentemente, desconhecem que quando os amos decidirem que não servem, descartam-se deles e mandam-nos para Paris, estudar.
Entretanto, o povo definha. Agora são os 14 meses dos funcionários públicos reduzidos a 12. Já meteram os pés pelas mãos, mas a verdade vem ao de cima. E, tal como se calculava, vão fazer tudo para nunca mais os pagarem.  Claro, os privados não cabem em si de contentamento. Quem os obrigará a pagar se o Estado não o faz? Na televisão atropelam-se os adeptos desta tese tecendo loas às vantagens de receber 12 meses em vez de 14. Para as empresas, claro. E tentam convencer-nos de que para os trabalhadores também. Porque gastam os subsídios em bens supérfluos, importados, e isso é mau para o orçamento e para o país.
Sair do euro, ainda vá. Acabar o euro, já estamos à espera. Mas nunca mais recebermos a dobrar em julho e em novembro? É excessivo.
O Algarve não merece. E o Pai Natal também não!

sexta-feira, 23 de março de 2012

O Minotauro e a greve

Houve ontem mais uma greve geral. De geral, só teve o nome. Não se deu conta dela. Como de costume, fazem greve os trabalhadores dos transportes - nem todos - e alguns funcionários públicos revoltados com o roubo de parte do salário. Aproveitam a desculpa da falta de transportes outros funcionários públicos que, embora revoltados, não querem ficar sem o dia de salário, e pouco mais.
A maioria dos trabalhadores foi trabalhar, não que não lhes apetecesse esborrachar a cara ao governo, mas, na verdade, muito poucos já acreditam na greve como forma de mudar alguma coisa.
E com tantos desempregado, qualquer dia não há trabalhadores para fazer greve.
Também houve manifestações. Uma foi a mais mediatizada. A polícia descontrolou-se e sovou dois jornalistas no Chiado. O poeta nem se mexeu.
O governo, desta vez, não anunciou números, como tinha prometido, e a CGTP também não. Que importa?
Na televisão, os comentadores do costume falaram dos costumes. Da greve enquanto direito fundamental dos trabalhadores. Do respeito pelo direito. Da necessidade de continuar a manter a indignação e a revolta contidas na figura da greve como a conhecemos há quase quarenta anos. No fundo, de deixar o instituto da greve definhar até ninguém saber para que serve.
Não são só os governos a não perceber que o mundo que eles conhecem já não existe. Que a ilusão da estrutura financeira que criaram, e na qual se autoalimentaram durante décadas, desapareceu. Mas não são os únicos. Os sindicatos fazem também parte desse mundo que ruiu. Eram a outra face da moeda. Uns não podem viver sem os outros. Por isso, a decadência do sistema capitalista mundial vai arrastar consigo o sindicalismo que o combateu, mas que viveu sempre na sua dependência.
É patético vê-los, a uns e a outros, nos media, a tremerem de medo e a esconjurar o grande mal que aí viria se a contestação ao seu decrépito sistema for tomada por “movimentos inorgânicos”, sem estrutura fixa ou comando único. A impossibilidade de controlo, ou de enquadramento, pelo sistema instituído, assusta-os. E ainda bem!
Quando se depende, não apenas materialmente, mas psicológica e mentalmente, de um sistema hegemónico que não contempla alternativas, porque foram sendo eliminadas, não se tem a capacidade para encarar corajosamente o futuro.
É assim que eles estão, tentam replicar ao máximo a fórmula de um sistema que deixou de ter qualquer viabilidade ou de fazer qualquer sentido, numa espécie de delírio alucinogénico, fechados num labirinto, e, como o Minotauro, devorando a vida dos jovens que lhes são oferecidos, regularmente.
Mas, desta vez, nem Teseu terá qualquer papel nesta história, nem será preciso o novelo de linha de Ariadne. Os próprios jovens se encarregarão de derrotar o Minotauro e encontrar o caminho de volta à liberdade.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A sopa social

Depois da sua anunciada morte, chegou finalmente o verdadeiro estado social.
Pelo menos, o estado social na perspetiva deste governo.
Os locais de distribuição de sopa, e de outros alimentos baratos e supostamente quentes, vão passar de 62 para 950. É preciso fazer muita sopa para tantos pobres. E a sopa também custa dinheiro. Estima-se que sejam gastos 47 milhões de euros na massificação do sistema caritativo da distribuição da sopa aos famintos.
O governo está convencido de que esta é a melhor solução para o problema. Dar de comer a quem tem fome pode ser uma atitude relevante para o conforto da alma, de quem dá, e do corpo, de quem recebe. Mas não é solução para o problema.
E esta é a questão essencial: qual é o problema?
As pessoas têm fome. Dir-me-ão os que pensam como pensa o governo.
Mas esse não é o problema. Esse é o resultado do problema.
Anos e anos de má gestão, um sistema financeiro global falsificado, patifarias inomináveis, acordos desastrosos e a economia de rastos. Eis o problema, os problemas.
O governo tem solução para eles? Não! Prefere continuar a aplicar a receita que os causadores da sua desgraça lhe prescreveu e a fazer tudo o que lhe mandam fazer. O mais certinho possível, que é muito importante ficar bem classificados nos testes trimestrais da troika.
Como não há qualquer perspetiva de que a economia possa recuperar, pelo contrário, a asfixia é cada vez mais evidente, não será difícil prever que o upgrade do sopeiral modelo se tornará insuficiente para os dez milhões que, mais tarde ou mais cedo, se transformarão em indigentes forçados.
Agora o governo poderá contrariar todos aqueles que o acusam de destruir o estado social. O governo dá, com esta medida, provas de que não é verdade que não goste do estado social. Pelo contrário, gosta tanto que um dos seus objetivos principais é o de transformar Portugal numa imensa cantina social.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Schulz e o pão que fede

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, criticou o facto de Portugal acarinhar os investimentos angolanos, cuja consequência, em sua opinião, só pode levar ao declínio do país, pois entende que só haverá futuro "no quadro da União Europeia".
As reações em Portugal não se fizeram esperar. Quando estamos em crise é sempre bom arranjar um bombo da festa para malhar. Se for estrangeiro, melhor. Se for alemão, ainda melhor.
E os críticos têm razão quando demonstram que Portugal não tem qualquer hipótese de desenvolvimento à custa de uma União Europeia vergada à austeridade e com um crescimento anémico. E sem que a Alemanha nada faça para alterar esta situação, entretida a olhar para o seu monstruoso umbigo.
Porém, Schulz, não fosse a tradicional hipocrisia alemã, tem razões para não ter gostado de ver Passos Coelho, de joelhos, em Luanda, a pedir pão. Porque esse pão fede a crime e a sangue.
Houvesse democracia em Angola, fossem respeitados os direitos humanos, não fosse governada por cleptocratas, os seus investimentos em Portugal seriam muito bem-vindos.
Só que, Portugal está numa encruzilhada que pode ser fatal: em termos económicos e em termos morais.
Precisa da ajuda da Europa para poder pagar as aberrantes dívidas e os indecentes juros aos agentes do capitalismo financeiro que tem dominado o mundo, mas não chega. Precisa também do investimento angolano, para vender algumas joias públicas e exportar produtos para consumo dos seus novos-ricos. E precisa de ambos desesperadamente, sob pena de morrer à míngua.
Mas, ambas as ajudas são moralmente repugnantes. Uma, porque é usurária e destrutiva de qualquer atividade económica futura; outra, porque fecha os olhos ao que se passa em Angola, é conivente com a violação constante dos direitos humanos.
É uma das desvantagens dos pobres que não têm dignidade: para sobreviver, fingem não ver, nem ouvir…nem sentir.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Oitocentos mil

É este o número do desemprego em Portugal: 800 000.
Só por si bastaria para demonstrar a incompetência dos governantes e dos patrões; a incongruência das políticas e dos mercados; a inconsistência da Europa e a decadência do capitalismo, enquanto sistema de organização económica das sociedades.
Há trinta anos, nada faria prever que, com o desenvolvimento humano e tecnológico que se estava a registar, se viesse a trabalhar mais horas, com menos direitos, e que as condições de trabalho regredissem quase como se ainda se estivesse a viver o início da primeira revolução industrial.
Hoje, utilizando tecnologia impensável há apenas umas dezenas de anos, as sociedades deveriam ter atingido um ponto de desenvolvimento, proporcionado pela produção de bens baratos e de qualidade, que permitisse o trabalho a tempo parcial generalizado e o pleno emprego.
Nada disso, no entanto, se verifica. Há desemprego, como nunca houve, e os trabalhadores são obrigados a trabalhar mais, até mais tarde e a prescindir dos direitos que conquistaram ao longo de um século.
É óbvio que tudo isto ultrapassa qualquer lógica. Porém, o poder económico e financeiro, o poder político e algum poder sindical coincidem na análise da situação e nas receitas para a ultrapassar. O que é estranho.
E, no entanto, não consegue singrar nenhuma apreciação da realidade que não se acomode à forma dominante de pensar no fenómeno e às débeis soluções propostas.
O capitalismo é corruptor por natureza. E corrompe também o pensamento e a capacidade de dissecar e criticar. É como uma droga, é tão bom ao princípio, tão fácil, mas torna-se, a pouco e pouco, uma necessidade, não podemos viver sem ele, perdemos a capacidade crítica, transforma-se no único objetivo da existência, rouba-se, mata-se por ele. E não há centros de desintoxicação ou de reabilitação.
Os oitocentos mil são o equivalente capitalista dos zombies do Casal Ventoso, são igualmente os restos de um negócio que não correu mal para todos.
A situação não vai mudar com troikas, uniões europeias, bancos centrais, empréstimos, mercados, governos ou seja lá o que for. Todas as soluções até agora propostas padecem de um pecado original: transportam em si o gene do mal que pôs o mundo neste estado.
E estes oitocentos mil em breve serão um milhão. Serão milhões. E não sabem a força que podem vir a ter. Apenas precisam de desintoxicação e de reabilitação. Só ainda não se descobriu a forma de o fazer.


terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Arrepio na barriga

Terminou mais uma Cimeira Europeia. Com os resultados do costume.
Foi rejeitada a mirabolante proposta alemã que reduzia a Grécia a um quase estado-falhado, sujeito a viver sob a tutela de um comissário europeu.
A Alemanha continua a querer fazer passar por parvos, não só os países europeus que foram apanhados pela grande vaga da crise do euro, como os restantes países que ainda alimentam a ilusão de manter a cabeça fora de água. Assumem-se como salvadores, quando são os principais responsáveis pelo ponto a que chegou o euro e, consequentemente, a Europa.
A manutenção desta situação é muito rentável para os seus bancos que, embora saibam que estão a arrastar para o abismo todo o sistema, não conseguem parar. Porque a ganância está inscrita no código genético do capitalismo. E pode levar à sua destruição, quando não é regulado, ou seja quando, como agora acontece, ele próprio se regula.
Agora vão tratar de emprestar mais algum dinheiro, “perdoar” outro e ganhar mais uns trocos com o sofrimento de um povo que foi ingénuo ao ponto de esperar alguma solidariedade da Europa.
E também começam a falar de crescimento da economia. E de como ela é importante para sair desta crise. Só ainda não descobriram que, em países completamente destruídos pela austeridade, esta receita do crescimento económico, por acordo, dificilmente funcionará.
E o patético presidente da Comissão também anunciou umas artimanhas anunciadas para manter os jovens ocupados, via Fundo Social Europeu. Talvez sirvam apenas para suavizar as estatísticas do desemprego. E isso não conta como crescimento.
E, como forma de distrair as atenções, acordaram também em limitar o défice dos países, por lei ou através das respetivas constituições. Sabem perfeitamente que isto não serve de nada. O problema principal não é esse e não é para levar a sério, sobretudo se os alemães ou franceses forem os primeiros a não o respeitar.
A Europa parece começar a estar viciada na adrenalina do desastre iminente, na batida forte do coração em situações de risco, no arrepio na barriga, no suor frio do medo antes do choque final.
Mas as histórias de suspense nem sempre acabam bem. Às vezes o herói também morre.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Paradoxo da natalidade autodestrutiva

A natalidade em Portugal é das mais baixas do mundo. O país envelhece, tristemente. Mas este fenómeno não é só nosso. O mundo ocidental degenera-se, embolorece, apodrece.
O crescimento económico é proporcionalmente inverso ao rejuvenescimento da população. A este fenómeno poderia chamar-se o Paradoxo da natalidade autodestrutiva.
O desenvolvimento, criado pelo ser humano, contribui canibaliza o fator que o sustenta.
Não é compreensível, pelo menos à primeira abordagem, que, nas sociedades em que o nível de vida atingiu o ponto mais alto desde que existe vida na Terra, as mulheres tenham cada vez menos filhos.
Porém, este parece ser o preço a pagar pela vida aparentemente cómoda que estas sociedades atingiram: a sua autodestruição.
As sociedades, ditas desenvolvidas, exigem tanto dos seus súbditos, que estes perderam irremediavelmente a capacidade para atuarem de acordo com as regras e os apelos da natureza. Da sua própria natureza: a natureza humana.
Organizaram-se em comunidades políticas, económicas e sociais que lhes restringem as mais óbvias liberdades individuais, como seja a der ter os filhos que querem quando quiserem. Este deveria ser o primeiro dos direitos humanos. Sem seres humanos não há Humanidade.
Hoje, apenas nas sociedades menos “desenvolvidas” o podem fazer.
Mas aí logo se deparam com ostros problemas. Não se trata de saber se têm tempo para eles, se têm dinheiro para lhes dar uma boa educação, bens de consumo iguais aos dos colegas, ou férias na praia ou na neve. Mas, mais prosaicamente: se têm comida para que possam sobreviver.
É assim este paradoxo. Quanto mais comida, menos filhos; quanto menos comida mais filhos.
E isto um dia vai ter resultados muito radicais no futuro dos países que, incrivelmente, deixaram de ter filhos. Felizmente os outros continuam a ter filhos. Muitos filhos, demasiados filhos. Com fome. Muita fome.
Resta-lhes, aos que têm fome, procurar o seu alimento onde ele existe. Na terra dos que muito desperdiçam. Mas que não têm filhos.
A seu tempo, tudo se resolverá. O desenvolvimento será menos desenvolvimento e haverá mais natalidade. As necessidades individuais serão menores. Dar-se-á mais valor às pessoas e os famintos comerão.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Missangas

No século XVI, no que é o território de Angola, os portugueses de então faziam grandes negócios com os sobas: trocavam missangas por seres humanos. Os africanos conheciam o cativeiro, mas ainda não sabiam que os prisioneiros podiam ser trocados por mercadorias.
Nem todos gostaram da ideia e muitos se revoltaram contra ela. Mas os portugueses, matreiros, incentivam a corrupção, a intriga e a discórdia e o negócio tornou-se muito lucrativo.
Passaram-se quinhentos anos, os portugueses são outros e os angolanos também. Os negócios são os mesmos. Os escravos, embora sem valor de mercado, são os mesmos.
Hoje, a cleptocracia reinante continua a fazer da corrupção a base dos seus negócios. E diversificaram os seus parceiros, são agora chineses ou brasileiros, mas continuam a lidar melhor com aqueles que melhor os conhecem: os portugueses.
Recebem missangas, como sempre receberam, só que agora na forma de tecnologia, serviços, construção, equipamento, comida, bebida, luxos.
E dão, em troca, dinheiro, muito dinheiro.
Mas, de onde vem esse dinheiro? Da rapina dos recursos naturais: essencialmente petróleo e diamantes. Já não há escravos para servirem como moeda de troca. Já não estamos no tempo da troca direta. Agora s coisas dão mais umas voltas para disfarçar.
No entanto, os efeitos para os povos do país são, na realidade, os mesmos. Vidas desgraçadas de miséria, na escuridão da ignorância e da exploração. A novidade em relação ao antigamente é apenas de terminologia: a atuação destes grandes sobas configura agora violações grosseiras dos direitos humanos.
Quando os diamantes são explorados pelos grandes do regime, matando, violando, silenciando; quando o petróleo é explorado sem qualquer controlo público; quando os seus fabulosos lucros vão para as contas pessoais dos sobas, o que é que mudou?
Portugal continua a pactuar com o roubo, a exploração e a morte dos povos angolanos. Os sobas, em troca, fazem investimentos em Portugal, dão liquidez a uma economia falida, desfeita, sem garra e sem ideias.
Mas houve, nos séculos passados, quem se levantasse, e lutasse, para pôr fim ao sistema esclavagista – mais lá que cá, é verdade.
Como a história de vai repetindo, sem se repetir, um dia tudo vai mudar. A cleptocracia ruirá, os cleptómanos envelhecerão nas prisões, Angola e os angolanos poderão respirar e usufruir das riquezas que o criador lhes atribuiu.
Portugal não vai poder trocar as suas missangas.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O fator externo

O primeiro-ministro disse ontem que Portugal não vai precisar de novo apoio internacional nem de dilatar os prazos para pagar os empréstimos. A menos que fatores externos a isso obriguem.
Ora, esta declaração não tem pés nem cabeça, não é séria ou demonstra uma grande incapacidade para interpretar o tempo em que vivemos. Pois, se foi a globalização, o fator externo, que nos conduziu a esta situação, se foi de fora que veio o dinheiro que alegadamente lhes devemos, se qualquer espirro nos mercado, externos, nos fazem estremecer e endividarmo-nos mais uns milhões, como é que é possível não sermos condicionados pelo fator externo?
É mais uma vez a expressão da esperteza saloia, para consumo interno, e a subserviência do aluno bem comportado, para conhecimento internacional.
Cada vez me convenço mais que estamos a ser dirigidos por títeres manipulados pelos mesmos bonecreiros que nos conduziram a esta miserável situação e aos quais apenas basta mudar o personagem para iludir os espectadores.
Não é hoje possível esperar que, mesmo cumprindo tudo o que nos obrigaram a cumprir, consigamos ultrapassar este estado a que chegámos. Todos os indícios nos dizem que não.
Mesmo que consigamos cumprir os acordos que os nossos dirigentes cobardemente assinaram, o fator externo - os mercados – poderão reduzir-nos a pó.  
Este processo conduzir-nos-á inexoravelmente à pobreza mais ignóbil. Seremos pobres, mas bem-mandados.
 Todas as ditaduras sonham com isso. Já vivemos sob uma: a do capital financeiro que está a destruir o mundo ocidental, do humanismo e dos valores, a que chamámos nosso.
E os seus criados continuam a governar-nos, tentando desesperadamente chamar a atenção dos seus chefes, pela obediência, pela subserviência e pela humilhação.
E, depois, ainda nos fazem crer que o fator externo é que poderá afetar o cumprimento dos acordos. Como se não soubéssemos isso desse o primeiro dia.
Como podemos acreditar nesta gente? Eles são a excrescência do fator externo.  

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cavaco, o altruísta

O país está em transe. O presidente Cavaco vê-se aflito para viver com a reforma e tem de mexer nas poupanças para dar conta das despesas.
Tudo isto seria normal se o presidente fosse um português comum. Embora os portugueses comuns não tenham poupanças e tenham de se desenrascar com os ordenados e as reformas roídos pelos cortes.
Mas o presidente não é um português comum. É o português que os portugueses escolheram para o cargo mais alto da nação. Representa a república, garante a independência nacional, a unidade do estado e o regular funcionamento das instituições democrática e é o chefe supremo das forças armadas. Não é, pois, um português comum.
Mas comporta-se como se de um português comum, e chico-esperto, se tratasse.
As reformas deveriam ser para os reformados. Mas Cavaco quis continuar na vida ativa e tem esse seu direito. Terá pensado em arredondar a reforma com o vencimento de presidente.
Trocaram-lhe as voltas. A lei obrigou-o a optar. Claro, escolheu opção mais vantajosa: optou pela reforma em detrimento do vencimento. O valor da reforma é superior ao vencimento de presidente.
E por esta decisão se percebe toda uma forma de estar na vida e de desempenhar o papel de presidente. Prescindiu do vencimento de presidente, não por altruísmo, mas por interesse. Caso não o fizesse, ficaria a ganhar menos do que se passasse os dias no jardim a bronzear-se.
E esta é a questão fundamental: qual é a respeitabilidade de um presidente que escolhe não ser remunerado pelas funções que efetivamente exerce porque o valor do vencimento que lhe corresponde não é suficientemente alto? E que, por isso, prefere receber a reforma, de valor superior, sabendo que não está efetivamente reformado?
E depois ainda vem, publicamente, assumir que é um sacrificado e que o valor da reforma não lhe chega para as despesas.
Mas, sabendo-se que essas despesas não serão certamente as despesas inerentes o cargo – que serão sempre assumidas pela presidência da república -, que outras despesas serão? É que esta situação nos deixa angustiados, pois caso não fosse presidente, e tendo que se alimentar da sua reforma, teria ainda muito mais dificuldades. O que é preocupante.
Por decoro, não vou aqui falar em valores. Já foram excessivamente expostos, esmiuçados e, obviamente, desancados. Infelizmente, não pela razão nobre da denúncia das injustiças, mas porque a inveja nacional, estimulada pela crise, assumiu esse papel.
Em suma, temos um presidente reformado que exerce a presidência à borla vê-se aflito para pagar as contas. Este homem deveria ser reconhecido, idolatrado, endeusado. A sua abnegação é exemplar. Um exemplo a seguir. (Lembrei-me agora que afinal o exemplo já foi seguido. E logo pela presidente da assembleia da república. Por coincidência, a segunda figura do estado. Agora não me lembro quem é a terceira…)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Síndrome de Estocolmo

Este blogue foi criado no dia da assinatura do acordo de concertação social entre o governo e alguns parceiros sociais. Triste sina.
O tresloucado capitalismo financeiro de índole ultraliberal que tem mandado no mundo, com os resultados que estão à vista, conseguiu, via troika, pôr de joelhos os desorientados portugueses.
Será um lugar-comum dizer que este é o maior retrocesso nos direitos dos trabalhadores desde o tempo do fascismo. E é verdade.
Nunca, como agora, e de uma só vez, se rasgaram tantos compromissos, se renegaram tantos princípios, se desonraram tantas lutas.
Dir-me-ão que os tempos são outros, que sem estas medidas não conseguiremos cumprir o que foi acordado. Enfim, que não poderemos pagar as dívidas e seguir em frente.
Parece claro. Mas não é. Esquece uma coisa muito simples: a dívida é uma fraude. Ninguém no seu juízo perfeito acreditará que o país deve aquele dinheiro todo.
E mesmo que o consiga pagar, o que é altamente improvável, a economia terá atingido o ponto mais baixo, desde a invenção da roda.
Que os mercados, as agências de rating e o capitalismo financeiro são completamente insensíveis a qualquer valor social já se sabia, que a ganância é a sua alma, também, mas que os governos – supostamente em nome do povo – e os sindicatos – supostamente em nome dos trabalhadores – acreditem nisso, é que é triste.
O mundo está na mão de umas dúzias de doidos que se divertem a enriquecer com dinheiro que não existe, porque são eles que o multiplicam de forma artificial, mas que nos convencem que existe, que nós o devemos e que temos de o pagar. A quem? A eles.
Tudo o resto não lhes interessa. Mas há um problema: as pessoas.
As pessoas, sim. Os seres humanos. Seres sensíveis e com necessidades básicas. Com uma enorme capacidade de sacrifício, de sofrimento, de compreensão. Sim, esses. Que um dia se fartam, se revoltam, destroem e matam e morrem, por alguma coisa, ou por nada.
Que os governos e alguns sindicatos não percebam isto, é que me admira. Ainda não perceberam que têm de pôr os pés à parede e dizer não?
A ingenuidade e a estupidez não justificam tanta subserviência. O medo do caos não justifica tanta irresponsabilidade.
Proponho uma explicação para o comportamento da generalidade dos representantes do povo e dos trabalhadores: eles sofrem do Síndrome de Estocolmo.
Apresentam um estado psicológico semelhante ao das pessoas que são vítimas de sequestro, em que a vítima desenvolve sentimentos de lealdade para com o sequestrador apesar da situação de perigo em que se encontra.